sexta-feira, 6 de julho de 2012

Catar feijão



Desejei reciclar as teorias que azucrinam as dores do mundo. 
Tantos resíduos acumulados (livros, tratados), quis transformá-los em poesia.
Não tive sucesso, óbvio, nem na arte, nem na política.
Feito traça, agora eu devoro punhados de literatura - válvulas de escape e porta dos fundos.
A vida ficou torta, rejeitamos as saídas mais simples e usamos as saídas de emergência.
Alguém dirá que isso se deve às paixões que temos pela vida, e nos afobamos.
Mas as paixões cansam suas chamas, e uma brisa qualquer as pode murchar...

O baú de minhas histórias e paixões anda repleto de bilhetinhos que mostram o quanto remei e remei, tramei frases e fases, e me repeti - nem precisou ouvi-lo da terapêuta.
Mas eu achei graça quando senti a verdade escorrer suave de seus lábios, e fez cócegas em meus ouvidos como um colibri agitado.
Ao voltar para  a rua, após cada nova (e última sessão), a vida ganhava bis de um poeta romântico e esperançoso.
Poeta em catarse, que acreditava estar próximo da solução de suas nóias, e assim pronto para ser a Madre Tereza do mundo.
Agora, o que me assusta em vertigem é ver que minhas histórias -  do avesso ou mal contadas - desejam fazer escola (e história). Pior, histórias precipitadas, a dever sofisticação no miolo do verbo, tudo por causa da pressa para ter ao redor dezenas de ouvidos.

Então, amanheci militante das causas mais urgentes: separo todo o lixo do que foi dito e mal dito. E, inspirado em João Cabral de Melo Neto, reciclo toda a palavra que pode servir de indigesto alimento. 
(Confesso, minha dificuldade é perceber qual é a palavra certa no momento certo do seu desvelamento...).
Pelo sim, pelo não, dou a palavra ao poeta João, para que me ajude a escolher palavras, a catar esse feijão.

Catar feijão

Catar feijão se limita a escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.

Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.

domingo, 24 de junho de 2012

Canções da rua

Me chamas contraditório, e com razão. Me detenho para dizer que não precisamos falar muito, precisamos agora ouvir.
Queremos roubar todo o tempo do mundo para que ouçam nossos lamurios, que não digam nada, apenas “sim”.
Minhas canções noturnas são retalhos do caos diurno, nada mais do que canções que ninguém vai escutar. São meus sonhos mais ridículos em busca da redenção.
Falta vontade a nossos ouvidos, falta despertador no coração. Falta cantar a rua, sentir a lua, lembrar todos os dias do pôr-do-sol.
Sou contraditório porque não consigo te escutar, apenas quero ser ouvido, nesses meus gritos de terror. As batidas são estrelas noturnas, no velho ritmo que pede amor.
Em minha rede de verão pretendo mudar o mundo. Daqui eu me divirto, dissertando sobre o riso e a dor. Falo do silêncio enquanto grito, tudo quero escutar com meu tambor.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Isto é um poema - Jean-Pierre Siméon


Um poema
É quando a gente sente o céu na boca,
é quente como um pão
que se come e nunca termina.

Um poema
é quando a gente escuta
bater o coração das pedras,
quando as palavras batem asas,
é uma canção na prisão.

Um poema
são palavras de ponta-cabeça
e, opa!, o mundo fica novo.

sábado, 16 de junho de 2012

Operação "Eu resolvo!"

Ultimamente, venho quebrando a cabeça com as seguintes reflexões:

Árvore sente dor? Por que árvore insiste em brotar depois de podada? De onde vem essa vontade da árvore viver? Por que quanto mais alta mais frágil a árvore fica diante dos desafios do tempo?
Vou logo avisando de que não me satisfaço com as respostas da biologia e de outras ciências naturais.
A meteorologia está prevendo temporais para Ijuí e região nos próximos dias – o clima está destemperado, até parece imitar nossos conflitos sociais. No espaço de uma semana, a temperatura oscilou entre zero e trinta graus, mesmo que o calendário marque início do inverno para semana que vem.

Não consigo dormir tranquilo e o motivo não é apenas o tempo ou a onda de assaltos e mortes em nossa cidade. O verdadeiro motivo é uma árvore enorme no meu quintal, que está “doente”– seu maior galho foi dilacerado por um vendaval em outubro de 2010 e, diante de qualquer ventania, ela ameaça desabar sobre minha cabeça.
Manifesto preocupação com meus amigos, e aí começa o segundo capítulo da novela.
Cada um tem uma opinião diferente a respeito de como matar e esquartejar uma canafístula com mais de trinta anos e vinte metros de altura.
Eis que entra em cena um amigo filósofo que, desde sua infância, sobe nas árvores, poda as árvores dos quintais da sua família, amigos e vizinhos, e inclusive árvores do pátio da casa de sua sogra.
Meu amigo, que eu identifico como “Eu resolvo”, foi incisivo na sua avaliação do atual estado das coisas, quando se postou pensativo debaixo da canafístula.
Observou a disposição dos seus galhos próximos do meu telhado e do telhado do vizinho, fez cálculos, filosofou sobre cordas, serrotes e cinto de proteção para não despencar de lá de cima...
Foi categórico na avaliação: “Pode deixar que eu resolvo”, e pela metade do preço cobrado por um “profissional” em árvores, lenhas para fogões e lareiras e outros assemelhados.


Ontem de tarde, enquanto eu estava na escola disciplinado crianças e adolescentes, meu amigo foi executar a primeira parte da empreitada: cortar os galhos mais altos, usando cordas, para evitar que esses galhos caíssem sobre os telhados das casas. Liguei para ele algumas vezes durante a operação, mas seu celular estava desligado.
Eis que a tardinha recebo um torpedo seu:
“Fui lá + não deu e certo".
 Logo após receber sua mensagem, ligo para ele, mas o celular está desligado. E permanece desligado durante a noite e no dia seguinte, no caso, hoje.
Depois de uma noite mal dormida e com a previsão de furacões e vendavais para Ijuí e região, não resisto e mando para meu amigo “Eu resolvo” a seguinte mensagem:
“Tchê, tu desistiu da árvore? A meteorologia tá marcando um vendaval p Ijui. Meu vizinho tá nervoso. Abç”.
***


Observo as mais variadas opiniões dos leitores sobre os acontecimentos violentos que se sucedem em nossa cidade. Boa parte delas segue a mesma postura (ou tem a mesma pretensão) do meu amigo, a respeito da sua solução:
“Eu resolvo”, ou “Se fosse eu, saberia como resolver”.
Acompanho o futebol e vejo que as opiniões dos torcedores, com relação aos problemas dos seus times, segue a mesma lógica: 99% emoção e 1% razão.
Meus amigos, como vou saber qual a melhor solução para reprimir o crime e a vigilância das ruas, como posso saber qual a melhor solução para os problemas de minha cidade, se não consigo resolver o problema da canafístula do meu quintal que, a cada novo temporal, dilacera meu sono e enche de medo e de pesadelos a mim e a meu vizinho?


segunda-feira, 11 de junho de 2012

Construção - Martha Medeiros


Gosto demais do Fabricio Carpinejar, de quem tenho o privilégio de ser amiga. E é para prestigiá-lo que abro essa crônica com uma citação extraída da ótima entrevista que ele deu para a revista Joyce Pascowitch: “O início da paixão é estratosférico, as pessoas não param quietas exibindo tudo que podem fazer. Depois passam a confessar o que realmente querem. A paixão é mentir tudo o que você não é. O amor é começar a dizer a verdade”.

É mais ou menos isso. No começo, a sedução é despudorada, inclui, não diria mentiras, mas um esforço de conquista, uma demonstração quase acrobática de entusiasmo, necessidade de estar sempre junto, de falarem-se várias vezes por dia, de transar dia sim, outro também. A paixão nos aparta da realidade, é um período em que criamos um universo paralelo, é uma festa a dois em que, lógico, há sustos, brigas, desacordos, mas tudo na tentativa de se preparar para algo muito maior. O amor.

É aí que a cobra fuma. A paixão é para todos, o amor é para poucos. Paixão é estágio, amor é profissionalização. Paixão é para ser sentida; o amor, além de ser sentido, precisa ser pensado. Por isso tem menos prestígio que a paixão, pois parece burocrático, um sentimento adulto demais, e quem quer deixar de ser adolescente?

A paixão não dura, só o amor pode ser eterno. Claro que alguns casais conseguem atingir o Éden – amarem-se apaixonadamente a vida inteira, sem distinção das duas “eras” sentimentais. Mas, para a maioria, chega o momento em que o êxtase dá lugar a uma relação mais calma, menos tórrida, quando as fantasias são substituídas pela realidade: afinal, o que se construiu durante aquele frenesi do início? Uma estrutura sólida ou um castelo de areia?

Quando a paixão e o sexo perdem a intensidade é que aparecem os pilares que sustentam a história – caso existam. O que alicerça de fato um relacionamento são as afinidades (não podem ser raras), as visões de mundo (não podem ser radicalmente opostas), a cumplicidade (o entendimento tem que ser quase telepático), a parceria (dois solitários não formam um casal), a alegria do compartilhamento (um não pode ser o inferno do outro), a admiração mútua (críticas não podem ser mais frequentes que elogios), e principalmente, a amizade (sem boas conversas, não há futuro). Compatibilidade plena é delírio, não existe, mas o amor requer ao menos uns 65% de consistência, senão o castelo vem abaixo.

O grande desafio dos casais é quando começa a migração do namoro para algo mais perene, que não precisa ser oficializado ou ter a obrigação de durar para sempre, mas que não pode continuar sendo frágil. Claro que todos querem se apaixonar, não há momento da vida mais vibrante. Mas que as “mentirinhas” sedutoras do início tenham a sorte de evoluir até se transformarem em verdades inabaláveis.

Jornal Zero Hora - 10 junho 2012

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...