quarta-feira, 23 de maio de 2012

Artes marciais - L. F. Verissimo


As artes marciais do Oriente – karatê, kung-fu, etcétera – estão em grande evidencia em toda a parte, mas poucos conhecem o mais antigo sistema de defesa pessoal do mundo, o milenar Borra-dô. Introduzido no Brasil há pouco, o Borra-dô já tem uma academia montada em Porto Alegre, e foi lá que conversamos com seu diretor, o nipo-paulista Imajina Antonino Imajina – sobre o insólito método. Imajina começou com um breve relato do Borra-dô, que é a arte de evitar a briga. Seu inventor foi o monge budista Tsetsuo Tofora, conhecido como O Pulha de Osaka, que viveu até os 180 anos e desenvolveu os principais golpes e preceitos desta mistura de religião, filosofia e instrução marcial.


– O Borra-dô se divide em quatro fases, cada uma identificada com um animal – explicou-nos Imajina . - A primeira fase é a da mulher (que O Pulha classificava, como animal, entre a lesma e o tubarão), e consiste em falar sem parar diante do adversário que nos ataca.


– O que deve ser dito?


– O Pulha, nos seus Ensinamentos, nos dá alguns exemplos. “Minha mulher está gravida, minha casa queimou, eu sustento dezessete tios e o médico recomendou que não era para eu apanhar antes de se passarem 10 dias da operação no crânio!” Ou então: “E se a gente se sentasse num lugar para discutir isso civilizadamente, digamos sem ser nesta segunda-feira, a outra?” Ou, ainda: “Meu primo é general!”


– Qual é a segunda fase?


– É a da Cobra. Se o adversário se convence com nossas palavras, devemos dizer alguma coisa como “Olha atrás!” e no momento em que ele se vira dar-lhe um soco na nuca e ao mesmo tempo gritar a frase ritual “Ha, caiu!”


– E a terceira?


– A da Galinha. Quando o adversário se vira, furioso com o Golpe da Cobra, devemos berrar e pular como uma galinha assustada, de modo a confundi-lo e comprometer a seriedade da situação. Esta é a fase que requer maior concentração, e portanto é a mais difícil. Aliás, só damos o título de Mestre Borra-dô a quem conseguir imitar uma galinha histérica com perfeição. O próprio Pulha, segundo a lenda, passou 40 anos em
meditação dentro de um galinheiro budista, alimentando-se de milho e ovo cru, até conseguir dominar a fase da Galinha. Claro que, com os métodos audiovisuais modernos, nós conseguimos isto com o aluno em muito menos tempo.


– Qual é a quarta fase?


– Vou demonstrar.


E Imajina saiu correndo. Voltou pouco tempo depois para explicar:


– É a fase do Rato, a fase final, a culminância de toda a arte do Borra-dô. A Fuga. O Pulha só morreu, aos 180 anos, porque seu último encontro, depois de completar com perfeição todas as fases do Borra-dô, falhou nessa fase fundamental do Rato,
tropeçando na própria barba e caindo de cara no chão, onde foi desmembrado pelos adversários furiosos. Nós aconselhamos nossos alunos a nunca deixarem crescer a barba.


Imajina completou suas explicações:


– Claro que existem variações nas diversas fases. Na da Cobra, por exemplo, quando o adversário for adepto do karatê podemos esperar até que ele se prepare para quebrar uma pilha de telhas com a mão, para nos intimidar, e quebrar uma telha na cabeça dele bem na hora do golpe. Ou então...

domingo, 20 de maio de 2012

Sementinhas - Luis Fernando Verissimo


- Professora, sabe sexo explícito?
- Pronto - pensou a professora. Chegou a hora. A turma ainda não estava na idade para educação sexual, mas quem sabe qual é a idade, hoje em dia?
- Professora, sabe sexo explícito?
- Eu já ouvi, Maurício. É sobre isso que nós vamos conversar hoje.
- Mas, professora...
- Senta, Maurício.
O menino estava impaciente. Ela entendia. Todos deviam estar impacientes. O sexo estava por toda parte. Era natural a curiosidade deles. Mesmo naquela idade.


- Todos sabem o que é uma planta, não sabem? Agora eu quero o nome de uma planta. Judite?
- Flor - disse a Judite.
- Muito bem. E que tipo de flor?
- Rosa! - apressou-se a dizer a Rosa.
- Muito bem. Eu vou desenhar uma rosa. E a professora desenhou uma semente.
- Isto parece uma rosa?
- Não senhora.
- Claro que não. Isto é uma semente. É o começo da rosa. Toda plantinha começa com uma semente. Alguém bota uma semente na terra e a plantinha vai crescendo, vai crescendo...
- Professora...
- O que é, Maurício?
- Sabe sexo explícito?
- Espera um pouquinho, Maurício. Nós já chegamos lá.
- Mas, professora...
- Senta, Maurício.
- Mas...
- Senta!
- Tá bem.
E o menino sentou, com cara de mártir.
- Primeiro tem a semente. Depois a plantinha vai nascendo da semente. Vocês também começaram de uma sementinha, como esta. Dentro da barriga da mamãe. E quem foi que botou a sementinha na barriga da mamãe? Alguém sabe?
- Foi o meu pai - disse o Maurício. - Mas, professora...
- Foi o papai, certo. Vejo que essa parte vocês já sabem. E como é que o papai põe a sementinha na barriga da mamãe? Quem sabe?
Silêncio.
- Professora...
- O que, Maurício...
- Nós sabemos tudo isso.
- Tudo?
- Tudo - confirmou a Rosa.
- Sabe sexo explícito? - insistiu o Maurício.
- Sei - disse a professora, desconfiada. - Que que tem sexo explícito?
- Passarinho faz sexo expíucito.
- Como é?
- Expíucito. Passarinho faz sexo expíucito.
Por um longo tempo, enquanto as crianças riam, a professora ficou paralisada. Depois apagou a semente do quadro-negro e disse para todo mundo pegar lápis colorido e desenhar uma paisagem bem bonita.










quarta-feira, 16 de maio de 2012

Ferreira Gullar




O cão vê a flor
a flor é vermelha.

Anda para a flor
a flor é vermelha.

Passa pela flor
a flor é vermelha.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Circuito fechado - Ricardo Ramos




Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina,sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras. Cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, chinelos. Vaso, descarga, pia, água, escova, creme dental, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.


sábado, 28 de abril de 2012

Puxando conversa - Mario Prata

Já notou como brasileiro gosta de puxar conversa? Em qualquer lugar, a qualquer hora. Tá lá uma pessoa quieta no seu lugar, logo vem o brasileiro tentando puxar conversa. O brasileiro não consegue ficar só na dele. Quer ficar na do outro ou outra, também.
E isso é coisa de brasileiro mesmo. Americanos, latinos e europeus não estão nem aí. E ainda ficam invocados quando a gente se mete a besta com eles. Me lembro quando estava morando em Portugal, minha irmã Ruth, comigo no bingo, tentou puxar conversa com uma portuguesa que estava na mesa. Nada mais natural, brasileiro. Depois de duas perguntas sem resposta, a portuguesa pegou a sua bolsa e, indignada, se mandou. E tinha razão. Quem era aquela gaja que queria saber se ela era de Lisboa mesmo, se ela ia sempre ao bingo, se ela já tinha ganhado alguma coisa?
Tinha razão a lusitana.
Mas a gente gosta de puxar um papo. E o mais doido é que o outro ou a outra (em sendo brasileiros) sempre entram nesse nosso assédio amigável. E o brasileiro já desenvolveu assuntos para todas as situações.
No táxi, por exemplo, é moleza: "Frio, hein?"
Basta isso para que o taxista fale duas horas. Sem parar. Ou: "Trânsito, hein?"
No spa, basta a sucinta pergunta: "Quantos quilos, já?", para que a gorda e risonha amizade seja logo consolidada.
Na fila do banco, não precisa nem falar. Basta fazer um ar de tédio, de saco cheio, balançar um pouco a cabeça que a conversa já foi puxada.
Se não der certo, pode tentar um "já notou que a fila da gente nunca anda?"
No campo de futebol, balance a cabeça e diga: "Esse cara é burro!" E pronto. Concordando ou discordando, o torcedor ao lado já é seu íntimo.
No bar, para a garota do lado: "Já notou que todo garçom é surdo?"
Na sala de espera da maternidade: "É o primeiro?"
No cartório, com aquele papelzinho numerado na mão: "Eu não acredito!"
Na Internet: "Tem alguém aí?"
No ponto de ônibus: "Demorar não é nada; o pior é que vem cheio."
Olhalá!
Você também pode começar uma conversa civilizada mostrando uma fita cassete e dizendo: "Se você abaixar o nível, eu mostro!"
Tem gente que ainda usa o "eu não te conheço de algum lugar?" E tem gente que cai nessa.
(...)
No elevador, o tempo é curto e o começo de papo não deve ir além do calor que está lá fora. Nunca pergunte, por exemplo, sobre política ou religião. Aliás, não existe nada pior do que a religião para puxar conversa. Geralmente, ouve-se, do outro lado, um muxoxo que é, segundo o Aurélio, aquele estalo com a língua e o céu da boca, por vezes acompanhado da interjeição ah, para indicar desprezo ou desdém. É, nada pior do que um muxoxo quando a gente quer puxar conversa.
No avião: "Mora lá ou aqui?"
(...)
Me lembra o jovem do romance Encontro Marcado, do Fernando Sabino, parando uma moçoila na rua:
- Sozinha?
- Não. Com Deus.
E ainda aquele bêbado que entrou num velório e perguntou para um desconhecido:
- Morreu do quê?
- Suicídio.
- Tiro?
- Veneno.
- É bom, também!

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...