quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Encantando através da escrita




Como surgiu a idéia de escrever?


É uma escolha entre outras escolhas que fiz. Mas é também um desejo que vem desde a infância, e tem a ver com a experiência de ler e de ouvir as histórias contadas pelos adultos. A literatura não nega a realidade que nos cerca, mas a enriquece, traz outras possibilidades para o olhar. Nosso ganho é insubstituível: amplia nossa imaginação, criatividade, nossas possibilidades de compreender e mudar a realidade, de encontrarmos saídas nas horas difíceis. Ler e escrever vem comigo desde a infância, e me ajudou a enriquecer o mundo em que vivia e que vivo atualmente.


Por que a escolha pelo público infanto-juvenil?


Mesmo que alguns aspectos de nosso texto, a linguagem, a estética, sejam voltados às crianças e jovens, pretendemos alcançar todo o público leitor. Como nos últimos anos convivo muito com crianças e jovens, nas escolas, como professor e contador de histórias, então me identifico mais e mais com eles. As crianças de hoje serão os pais de amanhã, então, tendo eles passado pela experiência da leitura, influenciarão as futuras gerações, e isso vai ser fundamental para termos uma sociedade mais instruída e eticamente melhor.


Como surgem as idéias para as histórias?


Por um lado, tendo atenção redobrada com o que acontece ao redor: naqueles acontecimentos surpreendentes, que criam lacunas em meio ao que é monótono, repetitivo. Isso vale para fatos e para pessoas, possíveis personagens de histórias que virão a ser escritas. Por outro lado, encontro idéias para histórias através de muita leitura. Quem escreve precisa estar atento para as novidades, seja no que vê, ouve e lê.


Qual a importância do estímulo à literatura desde a infância?


O mundo da fantasia, mitos, lendas, fábulas, contos de fadas, etc., aguçam e ampliam o imaginário das crianças. Auxiliam na estruturação do seu ego. É importante que a criança tenha acesso, através das histórias, aos modelos e heróis de nossa tradição cultural. Constatamos hoje uma certa crise de reflexão e, junto, uma crise de valores ético-morais. E isso, certamente, tem a ver com a falta de leitura, porque a literatura faz-nos vivenciar e alcançar esses valores universais, imprescindíveis para o convívio social. A literatura também ajuda a fazer um contraponto ao mundo virtual de hoje. Este não pode ocupar o lugar da cultura popular, que herdamos dos antepassados.


Fale um pouco sobre o último livro lançado (história, ilustração...)


Meu terceiro livro faz parte da série “Teco, o poeta sonhador”, e foi lançado em novembro de 2011, na Feira do Livro Municipal de Ijui. Chama-se “Canções pra não dormir”, e tem como um dos objetivos ser interativo, isto é, pode ser colorido pelas crianças. Contém poemas e pequenas histórias, e é ilustrado por Guilherme Barrozo, o qual está ilustrando o quarto livro, a ser lançado em março deste ano, com a mesma proposta e título: “Teco, o poeta sonhador, em: canções pra não dormir II”. A novidade neste quarto livro é de que o leitor vai se deparar com alguns poemas românticos do personagem Teco. Ele vai também se aventurar pelo mundo das paqueras e paixões, que ocorre no universo adolescente, ou juvenil. Serão poemas que exploram, entre outras coisas, o ritmo, as rimas e a musicalidade, com temas que têm a ver com a realidade de crianças e jovens.


Qual o escritor é sua principal fonte de inspiração?


Me inspiro em variadas leituras, sejam crônicas, poemas, contos, romances, histórias em quadrinhos, charges, etc. São muitos autores, vou citar apenas alguns: Luis Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar, Rubem Braga, Carlos D. De andrade, Mario Quintana, Manuel Bandeira, Millôr Fernades, Fernando Sabino, Ruth Rocha, Sylvia Orthof, Sérgio Porto,etc. Muitos destes autores eu aprofundei sua leitura quando iniciei o projeto de contação de histórias na Rede Municipal de Ensino, no IMEAB, desde o ano de 2009. Gosto muito de poemas e histórias que exploram o humor, a ironia e o inesperado. Considero fundamentais para provocarem nossos pensamentos e propiciarem a reflexão.


Hoje, qual o principal desafio de ser escritor?


O desafio é fazer chegar nossa mensagem ao leitor, num universo cada vez mais amplo das mídias. Os leitores estão diante de um bombardeio de informações. A preocupação é em como e o que escrever para esse leitor, para que o mesmo possa ter mais luz no seu dia-a-dia. De minha parte, aposto no conteúdo, nas idéias. Para que o texto sobreviva a essa cultura do instante, do descartável, ele necessita ter conteúdo e ser criativo. Isso vale também para a publicidade, a música, o cinema, o teatro, etc.


Na sua trajetória como escritor, quais as principais conquistas?


Entre o realizado e o que pretendo realizar, considero que estou iniciando meu trabalho. Nesses anos em que escrevo e conto histórias, uma das conquistas foi a descoberta de como é bom estar rodeado pelas crianças, ouvindo, contando, interagindo, através da curiosidade e de questionamentos. Considero uma conquista existencial viver a literatura como uma necessidade, tal como a água ou a comida. Sendo uma necessidade pessoal, tem também implicações na sociedade que nos rodeia.
Uma grande conquista é ver que esse projeto de escrever e contar histórias tem receptividade. Muitos pais, professores e alunos estão empenhados nessa tarefa de formar leitores, conscientes da sua importância.


Como escritor, quais os sonhos que ainda gostarias de realizar?


Poder escrever e contar muitas histórias. Isso significa estar cada vez mais próximo dos leitores, que para mim, em boa medida, estão nas escolas. Sonho poder viajar cada vez mais para outras regiões, e poder ajudar, de alguma forma, a despertar o amor pelos livros e a leitura.


Além de escritor, desenvolves oficinas de contação de história. Essa atividade é importante para a sua carreira como escritor?


Para mim, são inseparáveis, no sentido de que uma atividade complementa e provoca a outra. O público que ouve e lê as histórias é muito exigente. Isso nos obriga a ler e pesquisar muito, para encontrar histórias que surpreendam e encantem. Essa exigência faz com que tentemos ser criteriosos e cuidadosos com o que contamos e escrevemos.

Entrevista concedida ao Jornal da Manhã, de Ijuí/RS. Caderno Dois de 14 e 15 de janeiro/2012 e Panorama Regional, do dia 19 de janeiro/2012.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Leitores do Teco, o poeta sonhador


DICA DO LEITOR, TURNO DA TARDE - Escola EMEF Bom Pastor - Panambi/RS.



Leitor do dia: Bruno Luis Hilgemann



Título do livro: Teco, o poeta sonhador em: os mistérios do porão


Autor: Américo Piovesan


Editora: GD


Ano: 2007


Edição: 1ª






O livro: Teco abre os porões misteriosos dos sonhos - e sonha acordado... Os sonhos tiram o sono do menino, ao transportá-lo à alma da história de seus antepassados e de sua comunidade. O trabalho coletivo, as colheitas, as festas, o milagre do vinho e do pão confundem a infância passada e presente em paisagens de diferentes tempos e ventos, sóis e geadas. Os porões dos sonhos e da imaginação se abrem... e o menino acorda poeta - aquele ser de arte e poesia que vive em cada criança. Viaje com ele!





Tema / Vale a pena ler:


"O livro é legal e fala sobre uma criança que descobre um porão de sua casa, mas ele nunca tinha ido para o porão". - Bruno






segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Passarinhadas


Vizinho (em)prega sua casa, e põe no vento as melodias do martelo.

O prego não pediu para atravessar o coração da árvore.

Dizem que passarinho não tem nome, identidade, CPF e destino... E se tem e eu não sei?

Nada sei de asa de passarinho. Só sei de asa de avião. Avião aprendeu a voar com passarinho...

Avião aprendeu com passarinho. Helicóptero com beija-flor.

Quando o sonho é bom, eu vôo. Quando é pesadelo, eu arrebento no chão.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O humor nos explica - Affonso Romano de Sant'Anna


As piadas que um país faz sobre si mesmo deveriam merecer profundas análises. Talvez fossem mais reveladoras que caríssimas enquetes e vastos tratados analíticos.
Penso nisto lembrando as piadas sobre latino-americanos que me contaram no México. Narradas nos intervalos dos coquetéis e jantares daquele colóquio seriíssimo sobre "identidade" e "integração" na América Latina, funcionavam como recreio, interstício e discurso cômico e crítico.
Por exemplo, Gorbachev, Reagan e um presidente latino-americano estavam tão cansados dos problemas que enfrentavam, que resolveram chamar Deus para socorrê-los diretamente. Deus chegou na Rússia e Gorbachev lhe disse:
- Olha, Senhor, essa crise econômica, o Afeganistão, os dissidentes, a guerra nas estrelas dos americanos, o pessoal da linha dura que está atrapalhando a Perestroika, tudo isto está me causando problemas insolúveis. Como é que vou resolver? Quando isto vai acabar?
- Não se preocupe - disse-lhe Deus -, até o fim do seu mandato tudo estará resolvido.
E Deus foi então visitar Reagan. E ali ouviu outras lamúrias:
- Olha, Senhor, o tremendo déficit interno, esses problemas na América Central, o dólar despencando, o Gorbachev cada vez mais popular... como é que vou resolver?
Quando isto vai acabar?
- Não se preocupe - disse-lhe Deus -, até o fim do seu mandato tudo estará resolvido.
Chega Deus então a um país latino-americano e ouve de seu presidente:
- Olha, Senhor, essa miséria e subemprego, essa crescente dívida externa, a corrupção, essa constante ameaça de golpe de estado... como é que vou resolver? Quando isto tudo vai acabar?
- Não se preocupe - disse-lhe Deus -, até o fim do meu mandato tudo estará resolvido.

Uma pessoa morreu e chegou ao Inferno. Já ia entrar, quando o demônio lhe perguntou na entrada: - Pra qual inferno o senhor vai? - O condenado ficou surpreso.
Achava que o inferno era um só.
- Como assim? Há outro?
- Sim - responde Satanás. - Pode escolher. Há o inferno alemão e o latino-americano.
- Como é que funcionam?
- No alemão, começam a espetar o condenado às cinco da manhã. Às seis toma um banho de chumbo derretido. Às sete come enxofre com fogo. Às oito seu corpo é levado à grelha. Às nove tortura generalizada... - E assim foi narrando as emoções fortes do inferno alemão até a meia-noite.
- E o inferno latino-americano, como é?
- Bom, começam a espetar às cinco da manhã. Às seis um banho de chumbo derretido. Às sete come enxofre com fogo. Às oito seu corpo é levado à grelha. Às nove tortura generalizada...
- Mas é igual ao alemão! Qual a diferença?
- É que no inferno latino-americano o demônio que vai te espetar esquece de acordar, ou às vezes marca ponto e desaparece. Esquecem de ligar o fogo e o banho de chumbo é suspenso. O fogo e o enxofre estão sempre em falta... e assim por diante.

Um psicanalista telefona emocionado para outro:
- Colega, venha aqui correndo, acabo de descobrir a neurose do século, um caso imperdível, venha conhecer.
Do outro lado da linha o outro analista se escusa, diz que não tem tempo, mas o primeiro continua insistindo e tanto insiste que o segundo lhe diz:
- Então me adiante alguma coisa para saber se vale a pena mesmo.
- É um caso de complexo de inferioridade!
- Ora - diz o segundo analista -, que coisa banal, me chamar por causa disto?!
- Mas acontece - diz o outro completamente transtornado -, acontece - que ele é argentino!...

Estou eu no táxi na cidade do México e o chofer me indaga:
- No seu país tem corrupção?
Falei orgulhoso, é claro! Então, disse o chofer, vou lhe contar uma piada que vai entender.
- Fizeram um concurso para saber qual o país mais corrupto do planeta. Sabe que lugar o México tirou?
Eu, meio diplomático e pensando no absurdo das piadas, disse:
- O último.
- Não.
- O primeiro - ousei de novo, temendo acertar.
- Não. Tirou o segundo.
- Por quê? - faço então a indagação fatal, que dará ao outro o prazer da gozação.
- Porque pagamos para ficar em segundo lugar.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Apelo - Dalton Trevisan


Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.


Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.


Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...