segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Passarinhadas


Vizinho (em)prega sua casa, e põe no vento as melodias do martelo.

O prego não pediu para atravessar o coração da árvore.

Dizem que passarinho não tem nome, identidade, CPF e destino... E se tem e eu não sei?

Nada sei de asa de passarinho. Só sei de asa de avião. Avião aprendeu a voar com passarinho...

Avião aprendeu com passarinho. Helicóptero com beija-flor.

Quando o sonho é bom, eu vôo. Quando é pesadelo, eu arrebento no chão.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O humor nos explica - Affonso Romano de Sant'Anna


As piadas que um país faz sobre si mesmo deveriam merecer profundas análises. Talvez fossem mais reveladoras que caríssimas enquetes e vastos tratados analíticos.
Penso nisto lembrando as piadas sobre latino-americanos que me contaram no México. Narradas nos intervalos dos coquetéis e jantares daquele colóquio seriíssimo sobre "identidade" e "integração" na América Latina, funcionavam como recreio, interstício e discurso cômico e crítico.
Por exemplo, Gorbachev, Reagan e um presidente latino-americano estavam tão cansados dos problemas que enfrentavam, que resolveram chamar Deus para socorrê-los diretamente. Deus chegou na Rússia e Gorbachev lhe disse:
- Olha, Senhor, essa crise econômica, o Afeganistão, os dissidentes, a guerra nas estrelas dos americanos, o pessoal da linha dura que está atrapalhando a Perestroika, tudo isto está me causando problemas insolúveis. Como é que vou resolver? Quando isto vai acabar?
- Não se preocupe - disse-lhe Deus -, até o fim do seu mandato tudo estará resolvido.
E Deus foi então visitar Reagan. E ali ouviu outras lamúrias:
- Olha, Senhor, o tremendo déficit interno, esses problemas na América Central, o dólar despencando, o Gorbachev cada vez mais popular... como é que vou resolver?
Quando isto vai acabar?
- Não se preocupe - disse-lhe Deus -, até o fim do seu mandato tudo estará resolvido.
Chega Deus então a um país latino-americano e ouve de seu presidente:
- Olha, Senhor, essa miséria e subemprego, essa crescente dívida externa, a corrupção, essa constante ameaça de golpe de estado... como é que vou resolver? Quando isto tudo vai acabar?
- Não se preocupe - disse-lhe Deus -, até o fim do meu mandato tudo estará resolvido.

Uma pessoa morreu e chegou ao Inferno. Já ia entrar, quando o demônio lhe perguntou na entrada: - Pra qual inferno o senhor vai? - O condenado ficou surpreso.
Achava que o inferno era um só.
- Como assim? Há outro?
- Sim - responde Satanás. - Pode escolher. Há o inferno alemão e o latino-americano.
- Como é que funcionam?
- No alemão, começam a espetar o condenado às cinco da manhã. Às seis toma um banho de chumbo derretido. Às sete come enxofre com fogo. Às oito seu corpo é levado à grelha. Às nove tortura generalizada... - E assim foi narrando as emoções fortes do inferno alemão até a meia-noite.
- E o inferno latino-americano, como é?
- Bom, começam a espetar às cinco da manhã. Às seis um banho de chumbo derretido. Às sete come enxofre com fogo. Às oito seu corpo é levado à grelha. Às nove tortura generalizada...
- Mas é igual ao alemão! Qual a diferença?
- É que no inferno latino-americano o demônio que vai te espetar esquece de acordar, ou às vezes marca ponto e desaparece. Esquecem de ligar o fogo e o banho de chumbo é suspenso. O fogo e o enxofre estão sempre em falta... e assim por diante.

Um psicanalista telefona emocionado para outro:
- Colega, venha aqui correndo, acabo de descobrir a neurose do século, um caso imperdível, venha conhecer.
Do outro lado da linha o outro analista se escusa, diz que não tem tempo, mas o primeiro continua insistindo e tanto insiste que o segundo lhe diz:
- Então me adiante alguma coisa para saber se vale a pena mesmo.
- É um caso de complexo de inferioridade!
- Ora - diz o segundo analista -, que coisa banal, me chamar por causa disto?!
- Mas acontece - diz o outro completamente transtornado -, acontece - que ele é argentino!...

Estou eu no táxi na cidade do México e o chofer me indaga:
- No seu país tem corrupção?
Falei orgulhoso, é claro! Então, disse o chofer, vou lhe contar uma piada que vai entender.
- Fizeram um concurso para saber qual o país mais corrupto do planeta. Sabe que lugar o México tirou?
Eu, meio diplomático e pensando no absurdo das piadas, disse:
- O último.
- Não.
- O primeiro - ousei de novo, temendo acertar.
- Não. Tirou o segundo.
- Por quê? - faço então a indagação fatal, que dará ao outro o prazer da gozação.
- Porque pagamos para ficar em segundo lugar.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Apelo - Dalton Trevisan


Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.


Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.


Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Namoro


Pombos quase crianças pulavam de galho em galho
e com todos os poros fazendo o porteiro
enrubescer seus conceitos sobre amor
e paixão a toda prova beijinhos
e abraços causaram alvoroço no pátio
da escola a aula acabara e as câmeras
desceram de seus postos para degustar
café fofocar com a boca nas orelhas
o pátio só para o casal de pombos
mais um par de olhos ali
a contemplar a quase
delinqüência era pagar
pra ver a adolescência
agitada se digladiar
com suas irmãs
tesão medo
e inocência!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Os últimos dias - L. F. Verissimo

Não sei se esta é uma boa hora para falar nisso, mas se a previsão de que o mundo vai acabar em 2012 estiver correta, este é o último Natal das nossas vidas. E o próximo réveillon tem a obrigação de ser uma festa para acabar com todas as festas, pois depois não haverá remorsos nem recriminações – depois não haverá mais nada. Você está livre para fazer, na Festa do Último Fim de Ano, tudo que sempre pensou em fazer mas foi detido pela moral, os bons costumes, o código civil e seu instinto de preservação. Pode entrar na festa nu e sair caramelado.

Pode derrubar o cantor da banda e tomar seu lugar pelo resto da noite, como sempre sonhou, rechaçando aos pontapés todas as tentativas de tirá-lo do palco. Pode dizer o que pensa de todas as pessoas que não gosta e declarar sua paixão para todos os seus amores secretos, sem temer o revide ou o desdém. Pode fazer tudo isto sem pensar na sua reputação, pois se a previsão estiver certa ninguém mais vai ter uma reputação.


Deve-se pensar em algumas medidas práticas a serem tomadas na iminência do fim do mundo. Começar a comprar tudo com cheques pré-datados ou a crédito, por exemplo. Usar ao máximo os cartões de crédito, inclusive nas viagens para o exterior que se fará às pressas. E a crédito. Conhecer o maior número de lugares que ainda não se conhece no mundo, numa espécie de tour de despedida. Fazer a Copa do Mundo de 2014 em seguida, sem esperar 2014. Encurtar o carnaval deste ano para poder fazer, adiantados, os de 2013, 2014 e 2015. Aproveitar todos os pores de Sol possíveis, pois eles também serão os últimos. E isto é o mais difícil: passar a só dizer coisas definitivas. A proximidade do fim certamente aguçará nossos sentidos e nos tornará mais graves e filosóficos. Ou então, o contrário. Só dizer bobagens. Entregar-se à besteira e ir para o fim às gargalhadas. Pois se tudo vai acabar mesmo, se a morte do nosso planeta será apenas um pontinho ridículo pipocando na escuridão cósmica, pra que fingir que algo de tudo isto era sério?


E o fim nos trará algumas vantagens. Tornará coisas como caderninhos com datas de aniversário, horóscopos e índices de colesterol sem sentido. Todos os tipos de restrições alimentares serão risíveis, poderemos comer de tudo que nos faz mal como se não houvesse amanhã – porque não haverá mesmo. Está bem, não veremos o fim das novelas, mas não será tão ruim assim. Bom Natal para todos.

Publicado no jornal Zero Hora, do dia 26/12/2011

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...