terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Afinal, quem somos nós? - Aloyzio Achutti


Vários pretextos justificam a pergunta. Nossa identidade aparente como indivíduos independentes – algumas vezes fragilizados, outras arrogantes – precisa ser repensada. Não passamos de um dos elementos de uma enorme rede interdependente que se entrelaça e se estende, à custa de trocas e de serviços de iguais, de muitos outros seres, e com o ambiente onde vivemos. Estamos neste mundo naturalmente globalizados, não esquecendo também nossas outras dimensões e relações cósmicas.

Nossa curta visão desarmada e imediatista é pobre e ingênua, pois facilmente nos iludimos colocando o começo e o fim de tudo em nós mesmos, em nosso tempo e nosso espaço corporal.

Poucas gerações para trás e já não conhecemos mais ninguém da família. É preciso um esforço científico para aceitar nossa inserção como um simples elo a mais, numa cadeia com cerca de mais de 200 milhões de anos, fruto da evolução vital a partir de bactérias primitivas, ao recuarmos mais 3 bilhões de anos.

Não precisamos ir tão longe. Alimentamo-nos, vestimos e andamos com produtos de uma cadeia interminável e interdependente, na qual alguém plantou, cuidou da semente ou do animal, preparou a terra que foi adubada por mais alguém, o fruto foi transportado para o mercado, onde alguém mais o comercializou, outro o controla, faz propaganda, cobra impostos, limpa o ambiente, cuida da segurança e da ordenação social, e assim por diante. Embora quase todos visíveis e palpáveis, não nos damos conta dessa cadeia interminável de agentes e coisas de nosso dia a dia.

Fica mais complicado quando nos lembram ser maior o número de germes (10 trilhões) em nosso corpo do que de células (1 trilhão) que o compõem. Embora não vejamos os micro-organismos a olho nu, sem eles não conseguimos viver. Eles processam nossos alimentos até fazê-los assimiláveis e úteis para nossas células, elaboram vitaminas, enviam-nos mensagens, modulam nosso sistema imunitário, mantêm o equilíbrio na selva onde estamos mergulhados, protegem-nos de intrusos, recolhem nossos restos e remendam nossos estragos, mas levam a pecha de inimigos que precisam ser destruídos.

São nossos genes e os dos germes nossos amigos que comandam todas as funções vitais. Enquanto nossas células usam cerca de 30 mil genes, eles dispõem de cem vezes mais e estão constantemente em interação conosco, inclusive oportunizando trocas desse material genético. Assim é que, conforme alguns cientistas, somos de um a no máximo 10 por cento humanos...

Para melhor viver e compreender tantas questões polêmicas, como a do controle da venda de antibióticos para evitar a resistência bacteriana, a da proteção do equilíbrio ambiental e a do convívio dentro dessa extensa e conturbada colônia humana, é preciso pensar na resposta para a pergunta sobre quem realmente somos, procurando uma inserção mais compatível no contexto global.

*Médico

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Vamos todos blindar!



A partir da manchete de jornal, "Dilma blinda ministro", decidi, antes da virada do ano, fazer uma lista das (possíveis) coisas que devemos nos blindar.
O ministro foi blindado pela presidente porque é de sua cota pessoal. Então, eu também vou iniciar blindando os que estão mais próximos: os pais blindam os filhos, os filhos blindam os pais. As mulheres blindam os maridos, maridos blindam as mulheres. Os professores blindam os alunos, os alunos blindam os professores. Chefe blinda subordinado, funcionário blinda chefe... E por aí vai...
Se vocês me perguntarem o que é blindar, e o que ganhamos com isso, penso que blindar é o contrário de conflitar. Não significa proteção, pelo menos não a super-proteção que, no extremo, rouba a liberdade e responsabilidade de quem blindamos.
Blindar é negociar, fazer política, porque ocorre no contexto da pluralidade - não é possível o EU sem o OUTRO. Estão sempre entrecruzados.
No plano individual, blindar não representa me encolher, me isolar numa redoma, mas sim respirar ares mais criativos. Não quero enxugar a represa da minha criatividade, apenas, ao me blindar, canalizar a água na direção das turbinas da criação. Por isso, quando percebo que muitos "são iguais", ao repetirem as mesmas paranóias em seus blábláblás, tenho a opção de me afastar. Mas não o faço para, logo adiante, cair na armadilha de ficar acorrentado na caverna, sozinho, mas sim para me libertar dos vícios do cotidiano.

Vamos nos blindar da raiva, para proteger nosso coraçãozinho.
Mas não blindemos apenas os mais próximos. Blindemos os que ainda não conhecemos e que, é bem possível, podem vir a ter alguma forma de relação conosco. Blindar significa respeitá-los, dar-lhes o mesmo valor que damos a nós mesmos. Ao fazermos isso, o IBOPE de nossa reputação vai aumentar.
Vamos blindar nosso tempo, não sobrecarregá-lo demais com tarefas estressantes. Relaxar, meditar, praticar esportes, isso tudo deixa nosso corpo, alma e o tempo mais leves.
A blindagem requer uma medida certa, isto é, não deve ser extrema, nem demais, nem de menos... Como o remédio e o veneno, a vida e a morte, o corpo e a alma, o dia e a noite... se, por causa do outro, um deles transbordar, vai perder o efeito, ou desencadear efeito contrário.
Enfim, com a "blindagem" que propomos, pretendemos rir um pouco de nossas façanhas neste ano, para nos blindarmos da culpa por não termos realizado nem 10% do que planejamos.
Um brinde (nem um pouco blindado) para relaxar e gozar no final!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Elementar, meu caro Watson

Sherlock Holmes e o dr. Watson decidiram tirar férias acampando na selva. Logo depois do jantar, foram dormir. No meio da noite, Holmes acorda, gritando:
- WATSON!
O companheiro Watson acorda, assustado, e diz:
- O que foi, Holmes?
- Olhe para cima e me diga o que você vê.
- Eu vejo milhões de estrelas, Holmes.
- E o que você deduz disso?
- Bem, astronomicamente, que há milhões de galáxias e potencialmente bilhões de planetas. Do ponto de vista astrológico, eu observo que Saturno está em Áries. Do ponto de vista teológico, que Deus é todo-poderoso e nós somos insignificantes. Do ponto de vista meteorológico, suspeito que teremos um dia maravilhoso amanhã.
Watson pensa um pouco, vira-se para Holmes e pergunta:
- E você, o que deduz disso?
Sherlock acende o cachimbo, dá uma longa baforada e responde:
- Elementar, meu caro Watson: roubaram a nossa barraca.

domingo, 4 de dezembro de 2011

GURI ASSUSTADO





Falávamos do velório
da velhinha
das vidas que se foram
e de outras que virão...

Quando fui atravessar a rua
o defunto por mim passou...

Para meu espanto
movimentos quânticos
puseram o féretro
no meu caminho

- minha consciência quase deu nó!

Acordei com o sino da capela
e as batidas do relógio de parede
do vizinho.

Os sentinelas do tempo
tiveram comportamento estranho
pra uma tarde de domingo!

Como guri assustado
agora eu morro de medo
de ficar sozinho!

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O açúcar - Ferreira Gullar



O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e
tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes,
onde não há hospital,
nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã
em Ipanema.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...