domingo, 27 de novembro de 2011

Uns pelos outros - Ruth Rocha





Nesta história, a autora aborda o espaço do individualismo, o espaço do EU e, por outro lado, o espaço coletivo, o nós, o nosso.
O texto foi publicado no ano de 1986, que está historicamente situado após a abertura política do país. Na história “Uns pelos outros”, Ruth Rocha narra a história no futuro do livro, ou seja, em 1996, quando São Paulo contava 20 milhões de habitantes.
Nesta história as pessoas buscam ajudar umas às outras e a si próprias, resolvendo seus problemas individualmente, sem pensar em uma solução coletiva. A solidariedade é colocada num plano individualista: eu te ajudo, desde que você me ajude também. Um fazia PELO outro, o amigo POR outro amigo, a tia PELO sobrinho. Pensavam em FACILITAR o cotidiano, mas ninguém pensava em como RESOLVER COLETIVAMENTE um dos maiores problemas vivido neste momento: o da locomoção.
O individualismo, sutilmente, entra no cotidiano das pessoas, como forma de melhorar a vida de cada um, mas não de todos. As relações são pautadas em trocas de favores, não em troca de experiências. E o espaço público torna-se lócus de resolução de coisas particulares. (Citado de Thaís Otani Cipolini, Ruth Rocha: tramas de histórias e histórias entrecruzadas).


UNS PELOS OUTROS


Isso aconteceu há muitos anos, quando as cidades começaram a ficar tão cheias de gente que ir de um lugar para o outro se tornou um problema.
Eu morava em São Paulo, que nesta época já tinha 20 milhões de habitantes, e mesmo o metrô com suas 27 linhas principais não dava conta de transportar todo mundo.
Nas avenidas auxiliares, aquelas enormes avenidas que o prefeito eleito em 1996 construiu, e que têm 18 faixas de rodagem, o trânsito às vezes ficava parado 5, 6 horas, de maneira que as pessoas faziam de tudo dentro dos carros: liam, faziam a barba, estudavam, jogavam batalha naval, faziam tricô, jogavam xadrez, faziam de tudo!
Nas ruas secundárias as pessoas desciam dos carros, dançavam, faziam cooper, ginástica, balé, lutavam caratê...
A gente tinha que ficar o dia inteiro abrindo a porta, que toda hora tinha alguém pedindo pra usar o banheiro, beber água, ou pedindo um comprimido pra dor de cabeça.
Então, não sei bem quem foi que encontrou uma maneira de facilitar algumas tarefas, ou se foram várias pessoas ao mesmo tempo, que tiveram a mesma idéia.
O que eu sei é que todo mundo começou a trocar os encargos, uns com os outros, que era pra facilitar as coisas.
No começo facilitava, mesmo!
A gente telefonava pro amigo e pedia:
- Será que dá pra você pagar a mensalidade da minha escola que é aí pertinho?
E o outro respondia:
- Está bem, eu pago, mas será que dava pra você ir ao aniversário do Alaor, que é aí juntinho da sua casa?
Até que funcionava!
Às vezes vinham uns pedidos meio chatos:
- Você pode visitar minha sogra, por favor, que ela está doente, precisa de companhia? Ela mora mesmo no seu prédio. Como era um pedido meio chato lá vinha outro pedido chato de volta:
- Tudo bem, deste que você vá ao enterro do Dr. Genivaldo que é aí na sua esquina.
Mas tinha gente que pedia pra gente umas coisas absurdas:
- Será que dava pra você ir ao dentista por mim, enquanto eu vou comer uma pizza aqui na esquina pra você?
Aí não dava, é ou não é?
Ou então:
- Olha, vai fazer exame na escola pra mim que eu vou ao cinema pra você.
No começo, quando as pessoas pediam essas coisas, a gente recusava, naturalmente.
Mas com o tempo foi ficando tão difícil a gente se movimentar que as pessoas foram concordando em fazer a tarefa dos outros.
Tinha gente que substituía os amigos no trabalho, tinha gente que namorava a namorada dos amigos, diz que teve um que até fez operação de apendicite no lugar de um primo...
Mas aí a coisa começou a encrencar.
Porque tinha gente que era reprovada pelo outro, o outro ficava danado!
Tinha gente que namorava o namorado do outro e não devolvia. Tinha gente que pegava catapora, quando estava fazendo a tarefa dos outros e pedia indenização porque dizia que isso não estava na combinação.
E a coisa começou a ficar preta no dia que as pessoas começaram a se aproveitar da confusão.
Teve gente que tirou dinheiro do banco e não devolveu nunca mais, e teve até um espertinho que assumiu o comendo do 28° exército no lugar do General Durão e era pra ficar só um ou dois dias e ele não queria sair mais.
Mas o cúmulo, mesmo, foi no dia em que um tal de Generalino Caradura chegou cedo no palácio do Governo, e foi dizendo que o Presidente tinha telefonado pra ele, e tinha pedido que ele ficasse na presidência por uns tempos, que ele estava muito gripado, e que Brasília era muito longe, que o trânsito estava impossível e coisa e tal...
E depois que ele entrou no palácio, quem disse que ele saía?
Mas nunca mais!
Ele inventava que agora não podia, porque estava resolvendo umas coisas importantes, que agora não podia, porque ia receber uma visita de fora, que agora não podia por isso, por aquilo, por aquiloutro.
Esse cara ficou no palácio durante anos, e só saiu quando soube que tinha um cara na casa dele morando com a mulher dele, gastando o dinheiro dele e, o pior, usando o carro dele, que era feito sob encomenda nas oficinas especializadas de Cochabamba.
Essas coisas hoje em dia já são raras...
E agora vocês me desculpem. Tenho muito o que fazer.
Tenho que jogar uma partida de futebol para o meu sobrinho, enquanto ele experimenta meu vestido na costureira...

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Invenção

Quando ela está por perto
me pergunto, espantado:
será que as cores que eu vejo
não são do contrário?

Quem sabe o branco, o preto,
o azul,
o vermelho, o verde, o amarelo, 
na sala de parto da criação
foram trocados...

A musa não me leva a sério.
Ela diz que minhas paqueras
são invenções e brincadeiras
de um menino apaixonado.

Sim. Ela diz que sou
invenção inventada...
Diz que minha sanidade
fraudou o controle
de qualidade!

Mundo louco
do avesso
o que ouço
o que vejo...
Acho que fui
- por um gênio
desvairado -
hipnotizado!

domingo, 20 de novembro de 2011

Alguém quem? - Martha Medeiros


Faz muitos anos. Eu estava assistindo a um show do Living Colour, som pesado que fazia tremer as paredes de um pequeno ginásio da cidade. Guitarras, sonzeira, mal dava para se falar com a pessoa ao lado.


Foi quando resolvi dar uma espiada na tal pessoa ao lado: era uma mulher com um bebê de colo que não deveria ter mais do que quatro meses. Fiquei maluca. O que aquela criança fazia em meio a uma poluição sonora que era atordoante até para adultos?


Sem falar que na época se fumava à vontade em ambientes fechados. Não resisti e, entre uma música e outra, perguntei: você acha que esse é um local adequado para um bebê? Ela poderia ter me mandado longe, já que eu estava me metendo onde não devia, mas foi educada e respondeu que sabia que não, porém ela era muito fã do Living Colour e não tinha quem pudesse ficar em casa cuidando da sua filhinha. Respondi: que tal você mesma?


Ela me deu as costas e trocou de lugar.


Essa história me veio à lembrança depois que li no blog de uma leitora um caso semelhante. Ela e a mãe estavam passando de carro por uma rua, quando viram um senhor de cabelos brancos ajoelhado junto à sua bicicleta, tentando consertá-la. As duas viram a cena e ficaram com pena do homem. Comentaram: “Coitado, alguém tem que ajudá-lo”. Rodaram mais uns metros e então frearam bruscamente. “Ora, por que não nós?”


Deram meia-volta e descobriram que o senhor de cabelos brancos não era tão senhor, e sim um rapaz precocemente grisalho, e que ele estava com quase tudo já resolvido. Recusou a ajuda, agradeceu a gentileza e ofertou às duas seu melhor sorriso. O sorriso de quem sabe que pode contar com alguém, seja esse alguém quem for.


Alguém. Uma entidade a quem confiamos a solução de todos os nossos problemas. Alguém tem que dar um jeito no país. Alguém tem que mandar arrumar a máquina da lavar. Alguém tem que pensar no futuro das crianças. Alguém tem que se mexer, alguém tem que providenciar, alguém tem que ver o que está acontecendo. Mas como ele fará isso por você, sendo alguém tão ocupado?


Na hora de falar, nos anunciamos como muito capazes, mas quando a teoria necessita ser posta em prática, somos os primeiros a transferir responsabilidades. Talvez porque preservamos uma certa arrogância de senhor do engenho, que acredita que o servilismo de seus criados é que faz a roda do mundo girar.


Talvez por egoísmo: para que sujar minhas mãos se outro pode fazer o mesmo? Talvez tenha a ver com pouca autoestima: canto de galo, mas no fundo não presto para nada. Seja o motivo que for, estamos sempre esperando que Alguém se apresente para a tarefa que julgamos não ser nossa. Abrimos mão do protagonismo em prol de uma coadjuvância acomodada e maléfica para a sociedade. Pois é, e agora? Alguém tem que fazer alguma coisa.

Zero Hora, 20 de novembro de 2011.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Oficina de contação de histórias e declamação de poemas


Hoje à tarde estivemos na Escola Municipal de Ensino Fundamental Soares de Barros, de Ijuí-R.S, interagindo com alunos de Educação Infantil e Séries Iniciais. Foram momentos intensos, com risos, surpresas e questionamentos, feitos pelos alunos ao autor de Teco, o poeta sonhador. No dia 23/11 voltaremos a essa escola, dessa vez para contar histórias e declamar poemas aos alunos de quinta a oitava séries. Agradecemos à escola pela acolhida, e aos professores e alunos pela oportunidade em corpartilharmos o gosto pelos livros e a leitura.

(arte de Guilherme Barroso)

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...