sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Invenção

Quando ela está por perto
me pergunto, espantado:
será que as cores que eu vejo
não são do contrário?

Quem sabe o branco, o preto,
o azul,
o vermelho, o verde, o amarelo, 
na sala de parto da criação
foram trocados...

A musa não me leva a sério.
Ela diz que minhas paqueras
são invenções e brincadeiras
de um menino apaixonado.

Sim. Ela diz que sou
invenção inventada...
Diz que minha sanidade
fraudou o controle
de qualidade!

Mundo louco
do avesso
o que ouço
o que vejo...
Acho que fui
- por um gênio
desvairado -
hipnotizado!

domingo, 20 de novembro de 2011

Alguém quem? - Martha Medeiros


Faz muitos anos. Eu estava assistindo a um show do Living Colour, som pesado que fazia tremer as paredes de um pequeno ginásio da cidade. Guitarras, sonzeira, mal dava para se falar com a pessoa ao lado.


Foi quando resolvi dar uma espiada na tal pessoa ao lado: era uma mulher com um bebê de colo que não deveria ter mais do que quatro meses. Fiquei maluca. O que aquela criança fazia em meio a uma poluição sonora que era atordoante até para adultos?


Sem falar que na época se fumava à vontade em ambientes fechados. Não resisti e, entre uma música e outra, perguntei: você acha que esse é um local adequado para um bebê? Ela poderia ter me mandado longe, já que eu estava me metendo onde não devia, mas foi educada e respondeu que sabia que não, porém ela era muito fã do Living Colour e não tinha quem pudesse ficar em casa cuidando da sua filhinha. Respondi: que tal você mesma?


Ela me deu as costas e trocou de lugar.


Essa história me veio à lembrança depois que li no blog de uma leitora um caso semelhante. Ela e a mãe estavam passando de carro por uma rua, quando viram um senhor de cabelos brancos ajoelhado junto à sua bicicleta, tentando consertá-la. As duas viram a cena e ficaram com pena do homem. Comentaram: “Coitado, alguém tem que ajudá-lo”. Rodaram mais uns metros e então frearam bruscamente. “Ora, por que não nós?”


Deram meia-volta e descobriram que o senhor de cabelos brancos não era tão senhor, e sim um rapaz precocemente grisalho, e que ele estava com quase tudo já resolvido. Recusou a ajuda, agradeceu a gentileza e ofertou às duas seu melhor sorriso. O sorriso de quem sabe que pode contar com alguém, seja esse alguém quem for.


Alguém. Uma entidade a quem confiamos a solução de todos os nossos problemas. Alguém tem que dar um jeito no país. Alguém tem que mandar arrumar a máquina da lavar. Alguém tem que pensar no futuro das crianças. Alguém tem que se mexer, alguém tem que providenciar, alguém tem que ver o que está acontecendo. Mas como ele fará isso por você, sendo alguém tão ocupado?


Na hora de falar, nos anunciamos como muito capazes, mas quando a teoria necessita ser posta em prática, somos os primeiros a transferir responsabilidades. Talvez porque preservamos uma certa arrogância de senhor do engenho, que acredita que o servilismo de seus criados é que faz a roda do mundo girar.


Talvez por egoísmo: para que sujar minhas mãos se outro pode fazer o mesmo? Talvez tenha a ver com pouca autoestima: canto de galo, mas no fundo não presto para nada. Seja o motivo que for, estamos sempre esperando que Alguém se apresente para a tarefa que julgamos não ser nossa. Abrimos mão do protagonismo em prol de uma coadjuvância acomodada e maléfica para a sociedade. Pois é, e agora? Alguém tem que fazer alguma coisa.

Zero Hora, 20 de novembro de 2011.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Oficina de contação de histórias e declamação de poemas


Hoje à tarde estivemos na Escola Municipal de Ensino Fundamental Soares de Barros, de Ijuí-R.S, interagindo com alunos de Educação Infantil e Séries Iniciais. Foram momentos intensos, com risos, surpresas e questionamentos, feitos pelos alunos ao autor de Teco, o poeta sonhador. No dia 23/11 voltaremos a essa escola, dessa vez para contar histórias e declamar poemas aos alunos de quinta a oitava séries. Agradecemos à escola pela acolhida, e aos professores e alunos pela oportunidade em corpartilharmos o gosto pelos livros e a leitura.

(arte de Guilherme Barroso)

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Odabeb - Rubem Braga


Contam de Murilo Mendes que um dia ele ia passando com um amigo por uma rua de Botafogo quando viu uma mulher na janela de um sobrado. Deu uma coisa no poeta, ele se deteve na calçada fronteira, ergueu o braço e gritou:
- Meus parabéns, minha senhora. Está uma coisa belíssima! Mulher na janela! Há muito tempo não se via! Está belíssimo!
A senhora, assustada, fechou a janela bruscamente, achando que estava diante de um louco. Mas o poeta prosseguiu seu caminho com o sentimento do dever cumprido.
Também contam que um bêbado ia pela rua e um enorme jacaré ia atrás dele. Cada vez que o homem entrava em um bar o jacaré gritava: bêbado! Quando o homem saía de um bar para entrar em outro, o jacaré gritava outra vez: bêbado! Até que uma hora o homem perdeu a paciência, agarrou o jacaré pelos queixos e o virou pelo avesso, jogando-o a um canto da calçada. Quando saiu do bar o jacaré lhe disse - odabeb! - que é bêbado de trás para diante. Há outras histórias, mas penso nessa. Não matamos o nosso jacaré, nem nenhum outro bicho; apenas o que fazemos é vira-lo pelo avesso, o que é lamentável, mas ineficiente.
E a última mulher na janela foi lá dentro atender ao telefone. Os prédios são altos e se espreitam traiçoeiramente com binóculos na sombra. E como todo mundo tem mais o que fazer, os poetas se tornam incômodos. Virá-los pelo avesso não é solução. Eles não silenciam - e você, que não entende os versos, pensa que ele não está querendo dizer nada. Mas "se meu verso não deu certo foi teu ouvido que entortou", disse um mestre. Os pintores também foram virados pelo avesso, mas continuam a pintar tudo tão insistentemente que, vendo suas telas, uma pessoa mal informada pode pensar que o mundo é que foi virado ao contrário.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...