quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Era uma vez um sapo...



Ela me disse que as histórias que conto se parecem comigo. Ora - pensei – mas que garota pretensiosa!
Na tentativa de arrumar minha defesa e surpreender no contra-ataque, em vez de me olhar no espelho fui chafurdar seus defeitos. Droga, não encontrei nenhum! Algo errado acontece comigo...
Eu só queria rir um pouco, neste final de inverno cinzento, úmido e frio, com a tristeza passeando à vontade, pela vida e pelas folhas dos jornais.
Sim, eu sei que ela me enxerga um velho sonhador (não significa exatamente o mesmo que “sonhador velho”). E sei que e a história que contei pra ela fala, realmente, de um sapo sonhador!
Para não ser chato, decidi pular esse assunto, por isso não recitei o poema do Mário Quintana, que fala assim dos sonhos:

Se as coisas são inatingíveis... ora! 
Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!

Mas ela – com seu olhar de inicio de primavera e ironia cortante como o vento sul de agosto – tem razão, ao me colocar dentro das histórias que conto, com a roupa dos personagens.
Bem, vai a seguir as história que eu contei pra ela.


Dois sapos – o sapo sapo


Era uma vez um sapo que pensava que era um príncipe transformado no bicho verde e enrugado que agora era. Ele lembrava de ter morado num castelo, vestido roupas de seda e brincado de cavalgar um pônei branco de pelúcia.
Mas, para conseguir um beijo de uma princesa, ele precisava de uma pepita de ouro. Ele cansou de procurar a pepita salvadora e não achou. Então ele pintou uma pedra com tinta dourada e cantou a música de chamar princesas beijoqueiras. Apareceu uma que nunca tinha beijado um sapo antes, e, por isso, não sabia direito como era uma pepita de ouro. Ela acreditou que a pedra pintada fosse mesmo de ouro e foi logo pegando e beijando o sapo.
Acontece que o sapo não era príncipe encantado coisa nenhuma e continuou sendo o bicho verde e enrugado que sempre foi. A princesa jogou a pedra pintada para o sapo e foi embora correndo, envergonhada, pensando que o beijo dela não tinha funcionado.
A pedra bateu na cabeça do sapo e ele se lembrou de que as memórias do castelo, roupas de seda e pônei de pelúcia eram de um sonho lindo que uma noite ele tinha sonhado.
Envergonhado, também, e triste, o sapo pulou para dentro da lagoa onde morava, resolvido a se matar afogado. Mas lembrou que sabia nadar bem até demais, ganhando a nota máxima de sua turma na escola, e por mais que tentasse não conseguia se afogar. E então já ia pular para uma estrada que havia lá perto, para ser atropelado por uma carroça, quando viu uma sapa que tomava sol sobre uma grande flor cor-de-rosa.
Seu coração bateu depressa, sua lingua se esticou para fora da boca. A sapa piscou para ele, dengosa. E lá se foi o sapo, nadando nas águas da lagoa,  já se esquecendo dos pôneis de seda, castelos de pelúcia e roupas de pedras pintadas com tinta dourada!

(Flávio de Souza. Príncipes e princesas, sapos e lagartos. São Paulo, FTD, 1996.

sábado, 20 de agosto de 2011

Aquele estranho animal - Mário Quintana




Os do Alegrete dizem que o causo se deu em Itaqui, os de Itaqui dizem que foi no Alegrete, outros juram que só poderia ter acontecido em Uruguaiana. Eu não afirmo nada: sou neutro.

Mas, pelo que me contaram, o primeiro automóvel que apareceu entre aquela brava indiada, eles o mataram a pau, pensando que fosse um bicho. A história foi assim como já lhes conto, metade pelo que ouvi dizer, metade pelo que inventei, e a outra metade pelo que sucedeu às deveras. Viram? É uma história tão extraordinária mesmo que até tem três metades... Bem, deixemos de filosofança e vamos ao que importa. A coisa foi assim, como eu tinha começado a lhes contar.

Ia um piazinho estrada fora no seu petiço – tropt, tropt, tropt – (este é o barulho do trote) – quando de repente ouviu – fufufupubum! Fufufupubum chiiiipum!
E eis que a “coisa” então invisível, apontou por detrás de um capão, bufando que nem touro brigão, saltando que nem pipoca, se traqueando que nem velha coroca, chiando que nem chaleira derramada e largando fumo pelas ventas como a mula-sem-cabeça.
“Minha Nossa Senhora!”

O piazinho deu meia volta e largou numa disparada louca rumo da cidade, com os olhos do tamanho de um pires e os dentes rilhando, mas bem cerrados para que o coração aos corcoveios não lhe saltasse pela boca.
É claro que o petiço ganhou luz do bicho, pois no tempo dos primeiros autos eles perdiam para qualquer matungo.
Chegado que foi, o piazinho contou a história como pôde, mal e mal e depressa, que o tempo era pouco e não dava para maiores explicações, pois já se ouvia o barulho do bicho que se aproximava.

Pois bem, minha gente: quando este apareceu na entrada da cidade, caiu aquele montão de povo em cima dele, os homens com porretes, outros com garruchas que nem tinham tido tempo para carregar de pólvora, outros com boleadeiras, mas todos de a pé, porque também nem houvera tempo para montar, e as mulheres umas empunhando as suas vassouras, outras as suas pás de mexer marmelada, e os guris, de longe, se divertindo com os seus bodoques, cujos tiros iam acertar em cheio nas costas do combatentes. E tudo abaixo de gritos e pragas que nem lhes posso repetir aqui.


Até que enfim houve uma pausa para respiração.


O povo se afastou, resfolegante, e abriu-se uma clareira, no meio da qual se viu o auto emborcado, amassado, quebrado, escangalhado, e não digo que morto porque as rodas ainda giravam no ar, nos últimos transes de uma teimosa agonia. E quando as rodas pararam, as pobres, eis que o motorista, milagrosamente salvo, saiu penosamente engatinhando por debaixo dos escombros de seu ex-automóvel.


- A la pucha! – exclamou então um guasca, entre espantado e penalizado – o animal deu cria!


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Rimas - Luis Fernando Verissimo





O homem chegou em casa assustado:


- Está por toda a cidade, é uma sina: todo mundo falando com rima.


- O quê? - perguntou a mulher.


- Uma compulsão, um vírus, algo no ar. Não se diz mais nada sem rimar.


- Que absurdo - disse a mulher - um vírus da rima. Ninguém é obrigado a falar o que não quer, seja homem ou mulher. Nenhuma lei... Meu Deus, peguei!


- É na rua, é em casa, é em todo lugar. Não se fala sem rimar.


- Mas é uma barbaridade, ser poeta contra a vontade!


- Concordo, é um abuso. Mas que fazer? Estou confuso.


- Só há um jeito de se rebelar, resistir e não rimar...


- Como?


- Não falar.


- Mas como nos comunicaremos, se não com as vozes que temos.


- Escrevendo, por que não? Ninguém manda em nossa mão.


- Sei não será que muda? E se eu escrever como o Neruda?


- Não é hora pra chilique. Pega um papel, e olha a Bic.


O homem experimenta escrever uma frase no papel. Depois recua, horrorizado.


- Estou quase tendo um ataque. Escrevi como o Bilac!


- Será uma coisa generalizada que atingiu até a empregada?


- Vamos ver se é ou não é. Chame a Nazaré.


A mulher chama a empregada.


- Nazaré, vem aqui um minutinho?


A empregada responde da cozinha:


- Já vou indo, um instantinho. Estou fazendo ensopadinho.


O homem e a mulher se abraçam. É uma epidemia. A rima tomou conta do país. Mas por quê?


A mulher tenta racionalizar.


- Tem que haver explicação. Um motivo, uma razão.


- Terá sido a eleição?


- Mas como, de que jeito? O que foi que mudou com o pleito?


- Elegeu-se o maravilhoso...


- Quê?


-...Fernando Henrique Cardoso.


- O Cardoso, maravilhoso? Me admira você, que votou no PT!


- Você não está entendendo? Eu não sei o que estou dizendo!


- Calma, não se apoquente. Fale outra vez, pausadamente.


O homem faz um esforço, mas não consegue.


- Elegeu-se. O. Maravilhoso. Fernando. Henrique. Cardoso.


- Tente outra rima, com urgência. Quem sabe "seboso", pra manter a coerência?


- Não consigo, não vê? Tente você.


- Elegeu-se o...


- Sim?


- Elegeu-se o...


- Sim?


- Gostoso...


- Não!


- Fernando Henrique Cardoso.


- Já vi, é uma perfídia. Tudo culpa da mídia. Nós não estamos enfeitiçados, estamos é condicionados.


- Quando ele se elegeu, foi nisso que deu. Há uma rima oficial no Brasil - pelo menos até abril.


- Quem variar é exótico, até impatriótico.


- Paciência, relaxemos. Isto passa, esperemos.


- Eu até diria assim: rima melhor quem rima no fim.


Aparece a Nazaré na porta da cozinha.


- A senhora chamou. Aqui estou.


- Nada, nada, Nazaré. O ensopadinho, de que é?


- De vitela cortadinha. Batata, vagem e cebolinha.


- Parece uma beleza. Pode botar na mesa.





quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Quanto mais procura mais se perde




 
Quanto mais procura mais se perde,
sejam esquinas, muros e quintais,
estratégico, recua e se esconde
pra não pulsar demais.


Em sonhos até consegue ver
o porto seguro num ponto certo
mas o que faz é rodar em círculos
no ritmo do superego.


“Não sou excepcional” – murmura.
É que muitas vezes não consegue agarrar
                                                    a memória
                com narrativas extraordinárias.


Perde a compostura quando mede
o que tem valor e o descartável
então lhe resta reunir coragem
para dedilhar aos outros
            seu riso selvagem.


Faminto, ensaia gargalhadas
quando alguém desfila
                  outra piada.


Ele sabe que anda em círculos
e por isso explora outros calvários
resta-lhe mudar o itinerário
                          e se esconder
                       dentro de casa.


Alguns perguntam, como se as perguntas
                              fossem para si mesmos:
- Se ele procura um rosto ano após ano
é por que um dia teve o Ponto Arquimediano?
Lugar clicado sobre a rocha
- amor, trabalho, família, aventuras,
                    surpresas, sonhos, planos
ou até recomeçar sozinho numa ilha?...


A resposta fica para o eco, eco, eco...
                             até o próximo grito!


Quanto mais procura mais se perde
pra recuar e se esconder
                     e não pulsar
              até desaparecer!



segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Dia branco - Geraldo Azevedo




Se você vier
pro que der e vier
comigo
eu te prometo o sol
se hoje o sol sair
ou a chuva
se a chuva cair
se você vier
até onde a gente chegar
numa praça na beira do mar
num pedaço de qualquer lugar
nesse dia branco
se branco ele for
esse tanto esse canto de amor
se você quiser e vier
pro que der e vier comigo.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...