terça-feira, 9 de agosto de 2011

Passei o dia com uma bruxa (II)




Durante esses dias todos fiz várias cobranças ao menino, para que contasse o segundo capítulo de sua história (que eu sugerira que inventasse). Encontrei-o no intervalo da aula de hoje e nem precisei insistir, para que ele desembuchasse.



“Uma semana após ter começado a dieta, a bruxa desistiu. Não tinha mais idade para tamanho sacrifício. Não seriam as verduras e os legumes que a fariam viver mil anos! Disse que se deixou enfeitiçar pela história de que devemos combater os radicais livres. A partir de agora taparia seus ouvidos e iria radicalizar: se dedicaria à meditação, ioga e academia.


Nascera carnívora. Ser vegetariano é faceirice de momento. De quem não tem outra conversa nas rodinhas de bate-papo. Ou dor na consciência, porque quer se redimir de seus antigos erros.


A primeira palavra que pronunciou, quando bebê, não foi ‘mama’ ou ‘papa’, mas sim ‘carne!’. Gosta de carne mal passada, o animal esfolado, sangue escorrendo.


Foi então que a bruxa deixou transparecer a sua face mais cruel: disse que também os animais, quando fazem algo errado, ficam vermelhos de vergonha, como nós, os humanos.


Para ela, os animais se equivocam, quando imitam as pessoas. Por isso devora-os. Se engalfinham e mordem o próprio rabo, só por causa dos conflitos entre eles. De acordo com a bruxa, alguns animais querem ser mais espertos, como se tivessem poderes sobrenaturais, e isso ela não tolera. ‘Esperteza se cura com maldade’, vociferou.


Então eu ponderei que os bichos não são maus, apenas são fiéis ao seu instinto de sobrevivência. E que são domesticados pelos homens - e acabam imitando as virtudes e defeitos desses.


A bruxa desconversou, e lembrou de uma fábula cuja moral é de que ‘Burro não entra no céu’.


Foi aí que eu comecei a questionar a história que diz que o melhor amigo do homem é o cachorro. Por que não o burro ou o cavalo? Todos são importantes, se formos pesquisar, desde os tempos mais antigos, sua relação e serviços prestados aos humanos.


Acho que a bruxa perdeu sua imaginação (coisas da idade?). Sugeri que ela fosse ler os clássicos de literatura para crianças, e como os animais aparecem aí, semelhantes ou parecidos com os personagens ‘homo sapiens’.

Ou, talvez, as idéias da bruxa têm fundamento, e os animais não são tão ingênuos quanto pensamos”.






O menino fez uma pequena pausa e eu lembrei que algumas semanas atrás eu havia contado, para sua turma de aula, a anedota do Millôr Fernandes, “O cavalo e o cavaleiro”. Antes que eu recontasse a anedota o menino arrematou, dizendo assim: “Dia desses fui até a casa da bruxa, para uma visitinha, e me surpreendi: recebeu-me cordialmente um casal de poodles adultos”.


Não entendi onde ele quis chegar, mas fiquei na minha. Vai a seguir a fábula do Millôr:





O CAVALO E O CAVALEIRO






Diz que, quando o homem chegou às portas do céu, São Pedro disse: “Não pode entrar!” “Como não posso entrar? Tenho folha corrida de bons antecedentes e tenho bons antecedentes mesmo”. “Sei” – respondeu São Pedro -, “mas no céu ninguém entra sem cavalo”.


E o homem voltou com o rabo entre as pernas. No caminho encontrou um velho amigo e perguntou a ele aonde ia. Disse o amigo que ia para o céu. Ele lhe explicou então que, sem cavalo, neca de céu. O amigo então sugeriu: “Olha aqui, São Pedro já está velho. Você fica de quatro, eu monto em você. Ele não percebe nada porque já está velho e míope e nós entramos no céu”. E assim fizeram.


Na porta, o Santo olhou o nosso herói: “Opa, você de novo? Ah, conseguiu cavalo, hem? Muito bem, amarre o cavalo aí fora e pode entrar”.

Moral: Burro não entra no céu.


sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Mirinho e o disco - Sérgio Porto

Fomos juntando os telegramas sobre novos apa­recimentos de discos-voadores. Aqui está um de Lima, Peru: "Um disco-voador e seu tripulante, um anão de cor esverdeada, pele enrugada e 90 centímetros de altura fo­ram vistos, ontem à noite, no terraço de uma casa pelo estudante Alberto San Roman Nuñez". 

Este outro de As­sunção, Paraguai: "Diversas pessoas tiveram oportunida­de de ver nos céus desta capital um estranho objeto voa­dor, que durante 20 minutos evoluiu sobre suas cabeças, desaparecendo depois em grande velocidade". 

Já de San­tiago, Chile, o telegrama conta diferente: "Novas notícias de aparecimento de objetos voadores não identificados nos céus reacenderam controvérsias desencadeadas com visões nas bases científicas da Antártida, no mês passado. Na Vila de Beluco, pequena localidade chilena, os habi­tantes viram um disco pousar durante cinco minutos e logo levantar vôo para desaparecer no horizonte". A

gora noutro continente: "Em Oklahoma City a Polícia informou que, na base de Tinker, perto desta cidade, o radar regis­trou a presença de quatro objetos não identificados, que evoluíam a cerca de 7 mil metros de altura". Na Europa e na Austrália também houve disco-Voador assombrando populações. De Portugal, por exemplo, chegou telegra­ma contando que foi visto objeto estranho "que parecia um esférico de plástico". 

E no Brasil, ainda no domingo passado, em Paquetá, uma porção de gente viu disco-voador, o que prova que eles andam pela aí de novo.

Mas deixemos os discos-voadores momentaneamen­te de lado e passemos a Primo Altamirando. No prédio onde Mirinho mora tem uma mocinha que eu vou te con­tar. Vai ser engraçadinha assim lá em casa! O primo vinha cantando a vizinha há bem uns seis meses, sem conseguir nem pegar na mão. 

Anteontem, porém, depois de muita insistência, ela amoleceu e andou dando sopa para o nefando parente: combinou com ele um encontro noturno no terraço do prédio. E, de fato, na hora marcada, apare­ceu assim meio medrosa. Mirinho começou a amaciar a bonitinha, fazendo festinha, dizendo pissilone no ouvido, dando mordidinha na ponta da orelha. E quando já tava quase, ela deu um grito:

— Que foi??? — assustou-se Mirinho.

— Olha lá no céu. Um disco-voador — apontou ela, nervosa.

Com medo de perder a oportunidade, Mirinho aper­tou-a contra si e lascou: 

— Deixa pra lá. Finge que não vê. Finge que não vê!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Chove no silêncio...




Eu me aconchego em tuas pernas
e o dilúvio troveja lá fora.
O raio corta o céu diz  a que veio
e eu gozo e busco um recomeço.

A chuva imita o panelão em fogo brando
e eu medito sem dar ouvidos
ao coração ensanguentado.

"Ele é uma fraude", cochicham os sapos
e eu quero ouvir todas as músicas
que já ouvi,
e me olham os pesadelos
com suas máscaras
de branco vidro.

Sou  uma fraude em brasa ao vivo
penso nisso e me desenrosco
das suas pernas
e me recolho e adormeço.

É um tempo tão mixuruca
que até os sonhos são miudinhos!

É que a noite em seu leito
é um resíduo de um velho dia
é que os retratos quase despertam
seu desamparo.

Chove
no silêncio
da sexta-feira.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Faces no travesseiro



Faces bordadas no travesseiro
mascam chicletes e riem da minha cara
o tempo inteiro.

São miragens e me decifram
como ultrassom
então descubro que a razão
nada aprendeu com o amor.

Luzes e sombras ofuscam
a mais tenra cor
eu lembro do princípio
quando havia  a escuridão
o dia cansou e me ensinou
a guardar as cinzas dos livros
beijar punhados de flores
pra não entediar meu amor...

Amores são safras impossíveis
- agora descubro -
toda  vez que a noite
doira o sol!

terça-feira, 26 de julho de 2011

O que é importante?




Na roda de bar, ela falou:
- O que você escreve não é importante.
Considerei que agora, sim, eu tinha um bom assunto para um texto. Foi a partir daí que me pus a perguntar:
- O que é melhor, exibir sobre a mesa uma fruteira com frutas de plástico, ou frutas de verdade?
Segundo ela, algumas frutas de verdade poderão apodrecer, serão deixadas em segundo plano, já que gostamos de produtos industrializados.
- O que é melhor, considerar Amy Winehouse pelo aspecto particular, censurar sua dependência do álcool e drogas, ou se ater nos aspectos de sua genialidade musical? Ainda mais no atual contexto de invasão, na mídia, de bandos de artistas medíocres que iludem as massas...
Querida, as frutas de plástico trazem beleza aparente, mas não têm sabor, cheiro, odor... Não provocam nosso paladar. Permanecem no tempo, duram, e ao mesmo tempo não deixam lembranças, nem memória, não semeiam rastros em sua passagem.
- O importante é ideológico. Uma escolha, portanto.
Ela retruca: “Tudo é ideológico?”
Nos inquietamos. E concordamos: “Não sobra nada para a individualidade...” “Nunca mais vai ser possível sonhar com o original...”
“Tudo está perdido”, ela pondera. “Acho que não, eu digo”. Mesmo que o paradigma atual pareça ser o do Ctrlc/Ctrlv. Por todo lado, copiar, imitar, repetir...
Muita coisa cheira mal. Quantos de nós percebe? Quantos se importam? Não falo apenas da corrupção política, que os meios de comunicação denunciam. Refiro-me às ações diárias, em cada palmo de terra mais discreto onde nos movimentamos. Nossas intenções, implícitas, latentes, que incluem também ganhar dinheiro, comprar, acumular...
As frutas de plástico são lindas e não têm sabor. Não se transformam em matéria orgânica. São recicláveis, sem significar nada. Enfeites, práticas e inúteis.
- E as pessoas, também?
No limite, este texto também.
Me consola saber que nenhuma árvore foi derrubada. O texto nasceu e morreu no espaço virtual.
E a moça tem razão. Nada do que escrevo é importante.



O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...