domingo, 17 de abril de 2011

COTIDIANO



Concentrados no cotidiano
os homens avançam.

Amanhã
o mundo vai acabar.

Muito pode ser feito:
trabalhar, comer, dormir, acordar...
Como fazem os pássaros:
arrumar o ninho, por ovos, chocar...

A vida parece ordenar:
Depressa, depressa, vamos
transformar o entardecer!

Observo a rotina
protegido pela janela
e sua cortina.

Choca-me o incondicional:
sou racional,
mas não tenho asas para voar!

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Jeito de correr - Sérgio Capparelli


Inventei um jeito
de correr veloz,
de correr voraz,
tão rápido, tão rápido
que às vezes me ultrapasso
e me deixo para trás.

111 poemas para crianças. Porto Alegre, L@PM, 2007.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A estranha passageira - Stanislaw Ponte Preta


- O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de vôo - e riu nervosinha, coitada.


Depois me pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no aeroporto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacano respondendo que estava às suas ordens.


Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente.


Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos aqueles pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.


Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula:


- Para que esse saquinho aí? - foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio e eu em São Paulo.


- É para a senhora usar em caso de necessidade - respondi baixinho.


Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e exclamou:


- Uai... as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?


Alguns passageiros riram, outros - por fineza - fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue (1) (embora com tantas carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.


O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta:


- Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?


Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.


Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do "show".


Mesmo os que mais de divertiam com ele resolveram abrir os jornais, revistas ou se acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.


Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janela para ver a paisagem) e gritou:


- Puxa vida!!!


Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:


- Olha lá embaixo.


Eu olhei. E ela acrescentou: - Como nós estamos voando alto, moço. Olha só... o pessoal lá embaixo até parece formiga.


Suspirei e lasquei:


- Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou vôo.




terça-feira, 12 de abril de 2011

ECO - José de Nicola



Com certeza
não foi o marreco
quem descobriu o ECO.

Foi o Macaco
que, ao passar pela caverna,
chamou o amigo:
- Ô Marreco!
E, para surpresa geral,
a caverna respondeu:
- ECO, ECO.

O Macaco gostou
e ficava horas
conversando com a caverna:
- O homem diz que ama a Natureza,
                                      antigamente...
- MENTE... MENTE... - respondia a caverna.

Até que num dia sem sol
(depois de uma noite sem estrelas)
apareceu um homem
de fundos olhos cor de cinza
                  e queimou a mata
                     matou o macaco
                   comeu o marreco
              e quebrou a caverna
       (e calou o ECO,
                                  lógico!)


Do livro Entre ecos e outros trecos. São Paulo, Moderna, 1995.

domingo, 10 de abril de 2011

Dona Necessidade





Dona Necessidade
finalmente me acordou
para fazer minha obra de arte.

Frases em outdoors
sussuravam assim:
"Nunca se esqueçam de mim!".

Desesperado
comecei meu livro
de memórias avulsas
parecia um quadro
com imagens atrevidas
que às vezes rimavam
outras vezes riam.

Para não desistir
no começo do caminho
não devo imaginar
que minha obra vai descansar
abandonada em algum porão.

Caminhar e criar
é acreditar que alguém
algum dia será acordado
por um momento breve
- que seja - por minha obra
ou tocha lanterna lâmpada
ou mero piscar de um
vaga-lume solitário...

- Ande, crie, pare de perguntar
se somos filhos do acaso
ou da gratuidade das coisas.
Vamos, vamos - diz Necessidade -
façamos filhos e outras pequenas
obras (de arte) se desejamos
eternidade!

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...