sexta-feira, 15 de abril de 2011

Jeito de correr - Sérgio Capparelli


Inventei um jeito
de correr veloz,
de correr voraz,
tão rápido, tão rápido
que às vezes me ultrapasso
e me deixo para trás.

111 poemas para crianças. Porto Alegre, L@PM, 2007.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

A estranha passageira - Stanislaw Ponte Preta


- O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de vôo - e riu nervosinha, coitada.


Depois me pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade de ler o romance policial que eu comprara no aeroporto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz o bacano respondendo que estava às suas ordens.


Madama entrou no avião sobraçando um monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente.


Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos aqueles pacotes. Depois não sabia como amarrar o cinto e eu tive que realizar essa operação em sua farta cintura.


Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula:


- Para que esse saquinho aí? - foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio e eu em São Paulo.


- É para a senhora usar em caso de necessidade - respondi baixinho.


Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e exclamou:


- Uai... as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?


Alguns passageiros riram, outros - por fineza - fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue (1) (embora com tantas carnes parecesse mais um açougue) e não parava de badalar. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos para todos os lados.


O comandante já esquentara os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta:


- Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?


Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.


Madama sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do "show".


Mesmo os que mais de divertiam com ele resolveram abrir os jornais, revistas ou se acomodarem para tirar uma pestana durante a viagem.


Foi quando madama deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pedira para ficar do lado da janela para ver a paisagem) e gritou:


- Puxa vida!!!


Todos olharam para ela, inclusive eu. Madama apontou para a janela e disse:


- Olha lá embaixo.


Eu olhei. E ela acrescentou: - Como nós estamos voando alto, moço. Olha só... o pessoal lá embaixo até parece formiga.


Suspirei e lasquei:


- Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou vôo.




terça-feira, 12 de abril de 2011

ECO - José de Nicola



Com certeza
não foi o marreco
quem descobriu o ECO.

Foi o Macaco
que, ao passar pela caverna,
chamou o amigo:
- Ô Marreco!
E, para surpresa geral,
a caverna respondeu:
- ECO, ECO.

O Macaco gostou
e ficava horas
conversando com a caverna:
- O homem diz que ama a Natureza,
                                      antigamente...
- MENTE... MENTE... - respondia a caverna.

Até que num dia sem sol
(depois de uma noite sem estrelas)
apareceu um homem
de fundos olhos cor de cinza
                  e queimou a mata
                     matou o macaco
                   comeu o marreco
              e quebrou a caverna
       (e calou o ECO,
                                  lógico!)


Do livro Entre ecos e outros trecos. São Paulo, Moderna, 1995.

domingo, 10 de abril de 2011

Dona Necessidade





Dona Necessidade
finalmente me acordou
para fazer minha obra de arte.

Frases em outdoors
sussuravam assim:
"Nunca se esqueçam de mim!".

Desesperado
comecei meu livro
de memórias avulsas
parecia um quadro
com imagens atrevidas
que às vezes rimavam
outras vezes riam.

Para não desistir
no começo do caminho
não devo imaginar
que minha obra vai descansar
abandonada em algum porão.

Caminhar e criar
é acreditar que alguém
algum dia será acordado
por um momento breve
- que seja - por minha obra
ou tocha lanterna lâmpada
ou mero piscar de um
vaga-lume solitário...

- Ande, crie, pare de perguntar
se somos filhos do acaso
ou da gratuidade das coisas.
Vamos, vamos - diz Necessidade -
façamos filhos e outras pequenas
obras (de arte) se desejamos
eternidade!

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Qual destes é o seu pai? - Moacyr Scliar



 
Lamento dizer, meu filho, mas não sou nenhum desses.
Não sou, por exemplo, o Superman. Não consigo sair por aí voando, embora muitas vezes tenha vontade de fazê-lo; tenho de me mover no atrapalhado trânsito desta cidade num modesto Gol, com a esperança de não chamar a atenção dos assaltantes nem de ficar na rua com o pneu furado. Também não tenho, como o Superman, a visão de Raio-X; mal consigo ler, com muita dificuldade e incredulidade, as notícias que aparecem diariamente nos jornais e que nos falam de um mundo convulsionado e de um país perplexo.

Não sou o Homem Invisível. Não consigo passar despercebido; tenho que ocupar o meu lugar na sociedade, goste dele ou não.

Não sou o He-Man. Não tenho a Força; pelo menos não aquela força. Tenho uma pequena força, o suficiente para garantir o pão nosso de cada dia, e mesmo alguma manteiga, o que não é pouco, neste país em que muita gente morre de fome.

Não sou o Rambo; não tenho aquela formidável musculatura, nem as armas incríveis, nem o feroz ódio contra os inimigos (aliás, quem são os inimigos?). Não sou o Tio Patinhas, não sou um Transformer, não sou o Príncipe Valente. Não sou o Rei Arthur, nem Nem Merlin, o Mago, nem Fred Astaire. O que sou então?

Sou o que são todos os pais. Homens absolutamente comuns, a quem um filho transforma de repente (porque os pais são criados pelos filhos, assim como os filhos são criados pelos pais: a criança é o pai do homem). Homens comuns que levantam de manhã e vão trabalhar. Homens que se angustiam com as prestações a pagar, com os preços do supermercado, com as coisas que estão sempre estragando em casa. Homens que de vez em quando jogam futebol, que às vezes fazem churrasco, que ocasionalmente vão a um teatro ou a um concerto. Destes homens é que são feitos os pais.

Quando os filhos precisam, estes homens se transformam. Se o filho está doente, se o filho está com fome, se o filho precisa de roupa - estes homens adquirem a força do He-Man, a velocidade do Superman, os poderes mágicos de Merlin. Mas a verdade é que isto não dura sempre, e também nem sempre resolve. A inflação, por exemplo, nocauteia qualquer pai.

Não, filhos, não somos os seres poderosos que vocês gostariam que fôssemos. Mas somos os pais de vocês, que um dia serão pais como nós. Os heróis são eternos. os pais não. E é nisso que está a sua força.



O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...