terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Me perdoe - Sergio Capparelli

Perdoe, amor,
meu coração não entra em rede.
Triste, sem viço, sem mapa astral, ele geme.
Meu amor entrega os pontos,
cai no fosso, preso no brete,
e você, minha querida,
mando-lhe rosas pela internet?
Não diga que estou fora do esquema
que sou antigo, intruso num ciberpoema,
fora da tela do monitor
você sabe, amor platônico
me deixa sem jeito, com coágulo,
prefiro um ciberatômico
que explode, apaixonado.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Louco, igual meu amor






A toda hora
eu rabisco
um compromisso
em forma de torpedo
para deixar o nosso amor
mais eterno.

Em vez de flores
eu mando poemas
para amenizar o desejo
de morar no colo dela
me enroscar nas suas pernas
e farejar o seu cheiro...

Sou bombeiro
que apaga focos de incêndio
que a danada da paixão
acende no coração...

Sou vigia noturno
espreito esquinas e quintais
tudo pra ver se consigo
cruzar com seu olhar...

Sou astrólogo mago e adivinho
quero saber tintim por tintim
o que quer o meu amor...

E fico atento como gato
em cima do telhado
fugindo do cão

farejo o perigo
triplico a adrenalina
judio meu coração...

Brigo brinco desconverso
durmo pouco não sossego
só pra ficar ainda mais louco
parecido com meu amor!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Vida em manchetes - Luis Fernando Verissimo


- Viu só? Caiu outro avião.


- É. Desta vez foram 85 mortos.


- Já tomei uma decisão: nunca mais entro em avião.


- Bobagem.


- Bobagem é morrer.


- Então não entra mais em carro, também. Proporcionalmente, morrem mais pessoas em acidentes de...


- Mas não entrar em automóvel eu já tinha decidido há muito tempo! Você não notou que eu ando mais magro? É de tanto caminhar.


- Você caminha por onde?


- Como, por onde? Pela calçada, ué.


- Dá todo dia no jornal. “Ônibus desgovernado sobe na calçada e colhe pedestre. Vítima tinha jurado nunca mais entrar em qualquer veículo.” A chamada ironia do destino.


- Quer dizer que calçada...


- É perigosíssimo...


- O negócio é não sair de casa.


- E, é claro, mandar cortar a luz.


- Por que cortar a luz?


- Pensa num dedo molhado e distraído na tomada do banheiro. “Caiu da escada quando trocava lâmpada. Fratura na base do crânio.”


- Está certo. Corto a luz.


- “Tropeça no escuro e bate com a têmpora na quina da mesa. Morte instantânea.” E você vai cozinhar com quê?


- Gás.


- Escapamento. “Visinhos sentiram cheiro de gás e forçaram a porta: era tarde.” Ou: "Explosão de botijão arrasa apartamento.”


- Fogareiro a querosene.


- “Tocha humana! Morreu antes que...”


- Comida enlatada fria.


- Botulismo.


- Mando comprar comida fora.


- Espinha de peixe na garganta. Ossinho de galinha na traquéia. “Comida estragada, diarréia fatal!”


- Não preciso de comida. Vivo de injeções de vitamina...


- Hepatite...


- ... e oxigênio


- Poluição. “Autópsia revela: pulmão tava pior que saco de café.” Estrôncio 90 francês.


- Vou viver no campo, longe da poluição, do trânsito...


- Picada de cobra. Coice de Mula. Médico não chega a tempo.


- Não saio mais da cama!


- Está provado: 82 por cento das pessoas que morrem, morrem na cama. Não há como escapar.


- Mas eu escapo. A mim eles não pegam. Tenho um jeito infalível de escapar da morte.


- Qual é?


- Eu vou me suicidar.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O MEU AMOR É ENGRAÇADO




Vou fazer um catálogo
com palavras certas
para acalmar
o epicentro
do coração
do meu amor.

palavras são flechas
desgovernadas
quando a paixão
ainda mora
em nossa casa
e o amor se esconde
todo indeciso.

Vou jogar fora
os velhos medos
sair de casa
para acolhê-la
cantar canções
apaixonadas
para aquecê-la
depois do banho
da chuva fria.

O meu amor
é engraçado
que até arrepia:
me dá um susto
a toda hora
a todo o dia.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Biografia de uma árvore - Carpinejar


Na eternidade, ninguém se julga eterno.
aqui, nesta estada, penso que vou durar
além dos meus anos, que terei
outra chance de reaver o que não fiz.
Se perdoar é esquecer, me espera o pior:
serei esquecido quando redimido.

Não me perdoes, Deus. Não me esqueças.
O esquecimento jamais devolve seus reféns.

A claridade não se repete. A vida estala uma única vez.

Do livros Caixa de sapatos - Antologia. Editora Cia das Letras, 2003.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...