sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Quem ama perde a vergonha


Todos os torpedos de amor são
ridículos.
Não seriam torpedos de amor se não fossem
ridículos.

Hoje eu envio torpedos de amor
ridículos.

Os torpedos de amor
já que existe o amor são
ridículos.

Quem nunca mandou um torpedo de amor é
ridículo.

Eu perdi a vergonha por causa do amor
e por isso mando torpedos de amor
ridículos.



TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO

Todas as cartas de amor são
ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
como as outras,
ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
têm de ser
ridículas.

Mas, afinal,
só as criaturas que nunca escreveram
cartas de amor
é que são
ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
sem dar por isso
cartas de amor
ridículas.

A verdade é que hoje
as minhas memórias
dessas cartas de amor
é que são
ridículas.


Do livro Fernando Pessoa - poesias de Álvaro de Campos. FTD.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Tudo nela é canção




Tudo nela é canção.
O olhar de luar
o sorriso com dentes e boca
a se abrir em cachoeira
o cabelo molhado depois do banho
o vento que acaricia seu rosto
o compasso dos quadris
pra lá e pra cá
ao caminhar...

Quando a vejo
uma força misteriosa
acelera o ritmo
do meu pulsar...

Ela gravou em mim
canções antigas
canções da moda
canções perdidas
na memória

seus acordes e letras
me inspiram e renovam...

Mas é tanto som
novidade movimento
que agora eu busco
- desesperado -
o silêncio.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Do mundo virtual ao espiritual - Frei Betto

Procurava no google a hostória do Hans Christian Andersen, A roupa nova do rei, e acabei acessando um blog com este título.  Suas autoras escrevem assim, na página de rosto do blog:
A roupa nova do Rei é invisível às pessoas destituídas de inteligência ou àquelas que não estão aptas para os cargos que ocupam. No conto, todos veem o Rei pelado mas fingem ver a roupa nova. Até que um menino diz em alto e bom som: "O Rei está nu!" Somos FOODBLOGGERS, mas também gritamos contra a falta de senso crítico, a preguiça de pensar e o medo de parecer ignorante.
Então, ao dar uma passeada pelo blog, deparei-me com um texto do Frei Betto, que as autoras postaram no dia 5 de abril de 2010.
Me identifiquei com sua opinião do mesmo instante, por isso trascrevo-o abaixo, na sua integra. "A roupa nova do rei" fica para a próxima postagem.


DO MUNDO VIRTUAL AO ESPIRITUAL

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.


Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomada café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'


Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de Inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'


Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.


Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?


Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...


A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.


O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.


Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: Não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...


Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados ma mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrger do Mc Donald's...


Costumo advertir balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça, percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:


"Estou apenas observando quanta coisa existe de que eu não preciso para ser feliz!"


Frei Betto é Frade Dominicano, Teólogo, Antropólogo, Filósofo, Jornalista e Escritor.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Amor pra mi(m) maior




Dell
dellira
dellibera
com dellirio
dellicioso

Dell namora
com dellicia
e delleite
dellicado

Dell devora
Dell mordida
sem mordaça
e amarra

Dell cobiça
Dell devassa
Dell é densa
Dell é deusa
Dell é maga

Dell dellicia
Dell morena
Dell morada
Dell amor
Dell seu nome
foi nomeado
de amor
pra mi(m) maior!

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O tamanho do sonho - Cíntia Moscovich



Num famosérrimo salão de beleza da Capital, eu observava um cabeleireiro que arrematava seu trabalho arrepiando com gel o que restara na cabeça de um guri duns nove anos. As laterais tinham sido sumariamente raspadas, apenas uma faixa de cabelo preenchia o espaço da nuca à testa: o corte moicano.


Achei a cena graciosa. Primeiro porque me lembrei da época em que, sem o recurso de gel, spray, musse ou cera, aquele mesmo penteado era moldado na base do sabonete. Lembrei também que o tal moicano tinha representado a mais legítima expressão de marginalidade, coisa de punks, metaleiros e outros undergrounds da vida – nada que combinasse com o salão em que estávamos.


Minha manicure, vendo que eu me interessava pelo corte do menino, esclareceu:


– É o corte Neymar. Todas as crianças querem.


Neymar, todo mundo sabe, é aquele jogador do Santos, meio desbocado e que usa correntão de ouro no pescoço. Encarnação do futebol-arte, muito jovem e, desculpem, muito brega.


Sei, no entanto, que as crianças não estão nem aí e imitam seus ídolos de futebol – até me lembro de uns pobrezinhos usando a infâmia do topete em meia-lua do Ronaldo Fenômeno. Também sei que cada época gera seus próprios ídolos e que eu tenho mais é que respeitar a escolha do tempo em que vivo.


Só uma pergunta: por que aquela criança, por cujo corte a mãe desembolsou uns R$ 50, idolatra um jogador de futebol? Por que, para sermos um pouquinho originais, nossa infância não escolhe outro tipo de paixão? Por que nossos pequenos nivelam seus sonhos aos pés de um moleque?


E se nossa juventude cobiçasse ser grande não só no esporte? Como seria se os pequenos passassem a venerar bons engenheiros, a adorar bons pintores, a se espelhar em bons filósofos, bons atores, bons dançarinos?


E se o ideal dessa gurizada fosse se tornar bom escritor, bom estilista, bom pesquisador, cineasta, músico, será que a gente não evitaria sermos a mixórdia que somos? E se, ao invés de show, déssemos à infância o silêncio da civilidade? E se, ao invés de berros, ensinássemos palavras?


Acompanhando aquele gurizinho do salão de beleza se transformar num punk de mentirinha, senti também uma espécie de desânimo e concluí que o mau gosto prevaleceu e que chegamos ao fim da picada.


Pior: me dei conta de que estamos nisso por nossa incompetência para sonhar, já que a gente é matéria e tamanho de nossos sonhos. Naquela hora, só me ocorreu pedir à manicure o esmalte mais roxo que fosse possível encontrar. Seria minha homenagem à contestação, à criatividade, à invenção e à arte.


Viva o sonho. E viva tudo o que não for ídolos com pés de absoluto e medíocre barro.

Zero Hora, 18 de janeiro de 2011.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...