quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

COM QUE ROUPA EU VOU...

Depois de revirar no balaio as experiências 
que juntei durante o ano
constatei que pensei mais 
com o estômago
pensei mais com o bolso
pensei mais com os outros
pensei mais com as manchetes de jornais.

Suo frio a cada campanha na TV,
desde educação para o trânsito
até os "preserve!", "respeite!", "não maltrate!"...

E ao imaginar uma arte
meu superego se inflama
e põe pra trabalhar
meu sentimento de culpa.

Não sei se devo levar a sério
as notícias de catástrofes
ou se devo permanecer indiferente
e me recolher no mundo da literatura...
Enquanto isso a TV 
superdimensiona os fatos
para ter mais IBOPE 
e me entope com propaganda 
de comida industrializada
cerveja e refrigerante...

Tantos ângulos, recortes, 
efeitos especiais e montagens
vestem meu caráter
e dizem qual deve ser
minha visão de mundo
e minha disposição 
pra encarar isso tudo...
Hoje eu não me pergunto:
"Onde estou?", "para onde vou?"
Vestido desse jeito
tenho até vergonha de perguntar:
"Com que roupa eu vou?"

sábado, 25 de dezembro de 2010

ELA CANSOU...

Ela cansou de tanto pensar.

Então, pra descansar a razão
e despertar os sentidos,
dei-lhe uma flor que roubei
de um desses jardins
de classe média.

Agora ela disse
que o amor apagou
a luz da razão
e fez moradia
na flor de sua pele...

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O que o vento não levou - Mario Quintana

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:

um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha no dia do próprio vento...

do livro Acordo. Ed. Globo.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

EU E AS PORTAS

Aguardo as férias
para me despedir das portas
e procurar algo novo.

busco oxigênio
para recuperar o tempo
e sugar a essência da vida.

Os homens têm pressa e não me ouvem
por isso eu converso com as portas.
Elas compreendem e não fico só.

As portas me deram as chaves
depois que ficamos amigos
num constante vaivém.

Enquanto as portas se abrem
sem medo do novo
as pessoas se prendem à rotina
pra ter mais segurança.

Ser poeta é perigoso
a mim e aos outros
ainda mais se recitar
em alto e bom som.

As portas pegaram gosto
das minhas histórias
- as pessoas, não.

domingo, 19 de dezembro de 2010

CEIA DE NATAL

Tropecei na perna
de uma mesa
ao ver aquela deusa
na ceia de natal

um vestido vermelho
despertou o apetite
do meu olhar

me apaixonei
sem perceber
que ela podera ser
modelo
de caderno de jornal...

Agora eu me pergunto
se fiquei cego
ou translúcido
se vi uma boneca
um anjo
ou se figurante
de carnaval...

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...