segunda-feira, 11 de outubro de 2010

VELHA HISTÓRIA - Mario Quintana

Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no "17"! o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial... 
Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: 
"Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..." 
Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado...

sábado, 9 de outubro de 2010

PROGRAMADOS





Gepeto acordou
o espírito de Pinóquio.
- O resto da história todos sabemos...

Ai de nós terráqueos
que fomos acesos
pela mão
de um espírito
que habita planetas
desconhecidos...

E se for verdade
que esse espírito
nos programou
para sermos
trágicos e cômicos
só pra sua diversão?

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A VELHINHA CONTRABANDISTA - Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta)






Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava na fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da alfândega – tudo malandro velho – começou a desconfiar da velhinha.


Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:


- Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?


A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:


- É areia!


Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.


Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com moamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.


Diz que foi aí que o fiscal se chateou:


- Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com quarenta anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.


- Mas no saco só tem areia! – insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:


- Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?


- O senhor promete que não “espáia”? – quis saber a velhinha.


- Juro – respondeu o fiscal.


- É lambreta.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Maria-vai-com-as-outras - Sylvia Orthof





Era uma vez uma ovelha chamada Maria. Onde as outras ovelhas iam, Maria ia também. As ovelhas iam para baixo, Maria ia também. As ovelhas iam para cima, Maria ia também.


Um dia, todas as ovelhas foram para o Pólo Sul. Maria foi também. E atchim! Maria ia sempre com as outras.


Depois todas as ovelhas foram para o deserto. Maria foi também.


- Ai que lugar quente! As ovelhas tiveram insolação. Maria teve insolação também. Uf! Uf! Puf!


Maria ia sempre com as outras.


Um dia, todas as ovelhas resolveram comer salada de jiló.


Maria detestava jiló. Mas, como todas as ovelhas comiam jiló, Maria comia também. Que horror!


Foi quando de repente, Maria pensou:


“Se eu não gosto de jiló, por que é que eu tenho que comer salada de jiló?”


Maria pensou, suspirou, mas continuou fazendo o que as outras faziam.


Até que as ovelhas resolveram pular do alto do Corcovado pra dentro da lagoa. Todas as ovelhas pularam.


Pulava uma ovelha, não caía na lagoa, caía na pedra, quebrava o pé e chorava: mé! Pulava outra ovelha, não caía na lagoa, caía na pedra e chorava: mé!

 
E assim quarenta duas ovelhas pularam, quebraram o pé, chorando mé, mé, mé!

Chegou a vez de Maria pular. Ela deu uma requebrada, entrou num restaurante e comeu uma feijoada.


Agora, mé, Maria vai para onde caminha seu pé.

sábado, 2 de outubro de 2010

MANIA DE TROCAR - Joel Rufino dos Santos




Era uma vez um roceiro que tinha um rádio. Que foi presente de seu pai. Era para o roceiro ouvir os jogos do Brasil na Copa do Mundo.
No primeiro jogo o Brasil empatou.
O roceiro ficou muito aborrecido. Ele só queria que o Brasil ganhasse.
Aí, disse para a mulher:
- Sinhá, o nosso rádio não presta. O Brasil só empatou. Vou trocar por coisa melhor.
E saiu.
Ia passando um tropeiro com sua tropa de burros. O roceiro perguntou:
- Troca um burro por um rádio?
O tropeiro trocou. Levou o rádio e deixou um burro chamado Roucão.
Mas Roucão era demais de burro. Aí o roceiro levou Roucão para a feira. Para ver se conseguia trocar por coisa melhor.
Na feira, tinha um menino com um pato no colo. O menino apertou a barriga do pato. Saiu um montão de moedas. Todas de ouro.
Como se chama esse pato? – perguntou o roceiro.
- Se chama Uma-vez-só.
- Troca pelo meu burro Roucão?
- O que faz o seu burro? – perguntou o menino.
- Fala 432 línguas.
O menino trocou.
O roceiro saiu todo feliz.
- Agora eu fico rico! – disse o roceiro.
E apertou a barriga do pato. Apertou que apertou. Saiu foi ouro nenhum.
Foi reclamar para o menino. Mas o menino explicou:
- Ele só faz as coisas uma vez. Por isso se chama Uma-vez-só.
O roceiro quis destrocar, mas o menino encerrou a conversa:
- Trocou, ta trocado!
Ia passando um violeiro.
- O senhor não pode me dar comida? – gritou ele para o roceiro.
O roceiro respondeu:
- Só tenho esse pato... mas troco por sua viola.
- Minha viola é encantada – disse o violeiro.
- E o que faz uma viola encantada?
- Ela toca sozinha, mas como estou com fome, troco pelo pato.
E o sorriso do roceiro saiu com a viola. Ela tocou que tocou. Tanto que o roceiro não agüentou.
Tapou os ouvidos, guardou a viola no baú. Adiantou? Qual nada!
- CHEGA!
Ficou esperando na estrada até que passou um mágico.
- Quer vender a viola?
- Troco por sua cartola.
- Sem minha cartola estou perdido, mas troco pelo meu cavalo invisível.
O roceiro não enxergava cavalo nenhum. Mas trocou.
E se arrependeu loguinho. Não sabia onde o cavalo estava. Ficou com a testa cheia de calos, dos tombos que levou tentando montar no cavalo.
Vai daí que passou um matuto. Escatapum! Deu uma trombada no cavalo invisível.
- O que é isso? – perguntou o matuto.
- É um cavalo que não se vê. Mas garanto que é bom. Quer trocar?
O matuto matutou que matutou.
Estava doido pelo cavalo invisível.
Nunca tinha visto um, na sua vida de matuto. Remexeu que remexeu na sacola.
- Só tenho um rádio...
E o roceiro deu o cavalo. E o matuto deu o rádio.
Era o rádio que o seu pai lhe tinha dado.
O roceiro ligou o rádio. E ouviu que o jogo ia começar de novo.

Do livro Mania de trocar.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...