sábado, 3 de julho de 2010

O DINOSSAURO QUEBRA-MOLAS


Numa quinta-feira, primeiro de julho de 1993, no Jornal da Manhã de Ijuí/ RS, eu escrevi a história abaixo. É que foi instalado um quebra-molas em frente à casa que eu morava. Ele resistiu durante alguns anos... O tal "dinossauro"  foi desativado e despromovido, até esses dias... Eis que ele agora está de volta. Parece que tudo continua igual: os tempos não se modernizaram... Vamos à crônica escrita em 01/07/1993.

Ali está o dinossauro, adormecido, com suas costas ossudas, acalmando a agressividade do trânsito. Instalado numa rua bastante movimentada, cumpre a digna função de disciplinar motoristas apressados. Não fosse a sua presença, oxalá quantos atropelamentos não poderiam ocorrer.

De costas aos acontecimentos, aparenta dormir. É óbvio que espera o momento certo para dar o bote e derrubar um motoqueiro distraído. Ele é um vulcão em férias. Pelo menos é o que diz meu amigo Chiquinho. Pergunta ele de onde veio esta novidade moderna.

Foram os funcionários da prefeitura que o trouxeram. Uma equipe completa, especializada neste tipo de bicho. Veio o homem com a pá, o motorista do caminhão com o asfalto... Veio um jovem maquinista, com o "vibrador". Parecia ser o líder da equipe, pois quando chegou sua vez de "domar" o milenar bicho, todos do grupo se concentraram em sua volta, respeitosos. Era um time completo, com suplentes, técnicos e tudo mais. Com estabilidade no emprego, e conscientes de sua missão útil à comunidade.

Neste dia cinzento e frio, o trânsito passou devagar. Todos olharam o "acalmossauro" vir ao mundo. As pegadas gravadas no asfalto indicam que a paisagem hurbana não será mais a mesma. Os motoristas serão obrigados a fazer manobras bruscas. Aceleradas, freadas e palavrões ocorrem juntos num mesmo dia. Tudo por causa do colosso.

Em minha insônia, às cinco da manhã, imagino o motorista do caminhão que se aproxima do dinossauro, freando com cuidado, olhando respeitoso, fazendo uma "primeira" e seguindo em frente. Pobre ser humano, sei que nada o obriga a saber que a poucos metros mora um "bucéfalo", que às vezes acorda com tanto barulho.

Nesta época de intenso merchandsing, meu vizinho ilustre nem de longe pode competir com o filme do Spielberg e o que vem com ele. Enquanto amanhã as lojas estarão repletas de dinossauros de brinquedo, continuo com meu amigo frio e cruel, acordando-me todas as manhãs, na hora do "pique".

Apesar de sua função pedagógica, não consigo entender por que este "tranquilossauro" educa onde mora tanta gente, e não em lugar mais sossegado.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

VUVUZELEIROS


Hoje, olho com desconfiança o nascer e o pôr do sol. É que não sei até que ponto são reais aqueles tons avermelhados.
Talvez sejam devaneios meus prestar atenção no emigrar de raios que o sol grava nas nuvens, com seus tons e cores itinerantes.

Será que acontece o mesmo com a romaria de palavras que usamos, ou que ofertam a nossos ouvidos, ou que plantamos nos ouvidos dos outros?

São tantas pretensas verdades, formatadas e/ou deformadas, que eu chego a perdoar as vuvuzelas agitadas nos estádios da África.

Em todas as esquinas, vuvuzeladores, da política ao 1,99, fazem de tudo para serem notados.

As vuvuzelas opiniões, sem se importar com nossos ouvidos, buzinam a toda hora e, pelas caracteristicas dos vuvuzeladores, vão buzinar cada vez mais.

É tanto buzinaço sem critério, motivado pelo binômio torcer/secar, que se torna impensável imaginar o prazer, beleza e fruição.

Vamos ter um pouco de cautela com nossa "vuvuzela-discurso", e muito mais com nossa torcida vuvuzelante, e seu barulho irracional, das arquibancadas da vida, senão corremos o risco de sairmos com bola e tudo pela linha de fundo.

Acho que muitos têm pressa para marcar os gols e vencer o jogo. Mas são tantos os interesses em jogo, que fica difícil demarcar vencedores e vencidos.

Diante disso, em que nossa empreitada vuvuzelante pode ajudar?

Talvez tudo não passe de romantismo de um Teco poeta ingênuo, comparar os ruídos de pessoas com seus "instrumentos", com a mudança das cores no céu, do amanhecer ao anoitecer.

Eles devem ter significados ocultos, tantos mistérios, para muito além do que minha vã percepção pode captar.

terça-feira, 29 de junho de 2010

NATAL - Fernando Pessoa


Nasce um deus. Outros morrem. A Verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
E era sempre melhor o que passou.

Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A ARTE DE SER FELIZ - Cecília Meireles





Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.



Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.



Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.


Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.



DESPERTAR

Quando ela mordeu
seu lábio inferior
eu acordei.

Eu não sei
se nossos desejos
flutuam impacientes
no espaço infinito

ou se fruem
na fornalha
que os separa
em alguns centímetros.

Aconteceu o óbvio:
trocamos olhares
e-mails e telefone
mas não tocamos
os lábios.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...