domingo, 23 de maio de 2010

FLORES E BORBOLETAS


À noite



desligo o celular


e os outros laços


que me prendem


à vida real.






Desejo que a memória


não me abandone


se algum pesadelo me raptar.






Mesmo que a noite insinue vários perigos


faço viagens a lugares desconhecidos.






O melhor de tudo é despertar


com flores e borboletas


para poder cruzar


a barreira dos sonhos.






Elas vão me aquecer


quando a solidão


for de doer.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

LABIRINTO - Hermínio Bello de Carvalho


Acho bonito falar alemão.
Por isso, talvez, eu não queira aprender a falar alemão.
Se eu falasse alemão
as pessoas iriam dizer, simplesmente, "ele fala alemão"
e aí perderia toda a graça.
A graça está em achar bonito falar alemão.

Por isso, às vezes,
eu deixo de fazer algumas coisas.
Deixo de dizer que te amo
porque dizer que te amo soaria como uma banalidade
  a mais
nesse mundo cheio de banalidades.
E simplesmente me calo, deixo a barba crescer,
escrevo poemas para depois apagá-los de minha lembrança
e esqueço coisas que seriam inesquecíveis
simplesmente porque perdi a capacidade
de reter as coisas boas em minha memória.


Do livro Trem de Alagoas e Outros Poemas.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

SEMAFORO

Ficar ou ir em frente.
Eis a dúvida.

Ela sorri
mas seus lábios
não se movem.

Parecem dizer:

- Até quando você
vai ficar aí parado?

terça-feira, 18 de maio de 2010

HISTÓRIA TRISTE DE TUIM - Rubem Braga

João-de-barro é um bicho bobo que ninguém pega, embora goste de ficar perto da gente, mas de dentro daquela casa de João-de-barro vinha uma espécie de choro, um chorinho fazendo tuim, tuim, tuim....
A casa estava num galho alto, mas um menino subiu até perto, depois com uma vara de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar e veio baixando até o outro menino apanhar. Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor de entrada para o vento não incomodar, havia três filhotes, não de João-de-barro, mas de tuim.
Você conhece, não? De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim é capaz de ser menor. Tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas penas azuis para enfeitar. Três filhotes, um mais feio que o outro, ainda sem penas, os três chorando.
O menino levou-os para casa, inventou comidinhas para eles, um morreu, outro morreu, ficou um. Geralmente se cria em casa é casal de tuim, especialmente para se apreciar o namorinho deles.
Mas aquele tuim macho foi criado sozinho e, como se diz na roça, criado no dedo. Passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa da fazenda, comendo sementinhas de imbaúba. Se aperecia uma visita fazia-se aquela demonstração: era o menino chegar na varanda e gritar para o arvoredo: tuim, tuim, tuim! Às vezes demorava, então a visita achava que aquilo era brincadeira do menino, de repente surgia a ave, vinha certinho pousar no dedo do garoto.
Mas o pai disse: "menino, você está criando muito amor a esse bicho, quero avisar: tuim é acostumado a viver em bando. Esse bichinho se acostuma assim, toda tarde vem procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar pela fazenda um bando de tuins, adeus. Ou você prende o tuim ou ele vai embora com os outros, mesmo ele estando preso e ouvindo o bando passar, esta arriscado ele morrer de tristeza".
E o menino vivia de ouvido no ar com medo de ouvir bando de tuim.


Foi de manhã, ele estava cantando minhoca para pescar quando viu o bando chegar, não tinha engano: era tuim, tuim, tuim... Todos desceram ali mesmo em mangueiras, mamonas e num bambuzal, dividido em partes. E o seu? Já tinha sumido, estava no meio deles, logo depois todos sumiram para uma roça de arroz, o menino gritava com o dedinho esticado para o tuim voltar, mas nada dele vir.
Só parou de chorar quando o pai chegou a cavalo, soube da coisa e disse: " venha cá". E disse: " o senhor é um homem, estava avisado do que ia acontecer, portanto, não chore mais".
O menino parou de chorar, pois seu pai o havia consolado, mas como doía seu coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa que foi uma beleza, até o pai confessou que ele também estivera muito infeliz com o sumiço do tuim.
Houve quase um conselho de família, quando acabaram as férias: deixar o tuim, levar o tuim para São Paulo? Voltaram para a cidade com o tuim, o menino toda hora dando comidinha a ele na viagem. O pai avisou: "aqui na cidade ele não pode andar solto, é um bicho da roça e se perde, o senhor está avisado".
Aquilo encheu de medo o coração do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala, a mãe e a irmã não aprovavam, o tuim sujava dentro de casa.


Soltar um pouquinho no quintal não devia ser perigo, desde que ficasse perto, se ele quisesse voar para longe era só chamar, que voltava, mas uma vez não voltou.
De casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim: "que é tuim?" perguntavam pessoas ignorantes. "Tuim?" Que raiva! Pedia licença para olhar no quintal de cada casa, perdeu a hora de almoçar e ir para a escola, foi para outra rua, para outra.
Teve uma idéia, foi ao armazém de "seu" Perrota: "tem gaiola para vender?" Disseram que tinha. " Venderam alguma gaiola hoje?" Tinham vendido uma para uma casa ali perto.
Foi lá, chorando, disse ao dono da casa: "se não prenderam o meu tuim então por que o senhor comprou gaiola hoje?"
O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de rabo curto, não sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto, ia ficar desapontado quando voltasse da escola e não achasse mais o bichinho. "Não senhor, o tuim é meu, foi criado por mim".
Voltou para casa com o tuim no dedo.


Pegou uma tesoura: era triste, era uma judiação, mas era preciso, cortou as asinhas, assim o bichinho poderia andar solto no quintal, e nunca mais fugiria.
Depois foi dentro de casa para fazer uma coisa que estava precisando fazer, e, quando voltou para dar comida a seu tuim, viu só algumas penas verdes e as manchas de sangue no cimento. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e ainda viu o vulto de um gato ruivo que sumia.


Acabou-se a triste história do tuim.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A vingança das abelhas


A notícia foi publicada há uma semana, mas só me deparei agora porque o jornal foi colocado no banheiro, no lugar de um tapete que estava secando no varal. Abelha vai fazer falta, diz seu título. Os americanos estão preocupados com o desaparecimento das abelhas. Está diminuindo a polinização de lavouras nos EUA. No Brasil, estudos indicam que a produtividade é muito maior em áreas próximas à fauna e flora preservadas.

 Mesmo encarcerado à intimidade do banheiro, onde posso me desligar do mundo exterior, a colisão com a notícia mexeu comigo, e esse contato com a sina das abelhas deixou-me pensativo e com um certo sentimento de culpa.



É que eu tenho um quintal enorme, com árvores enormes, quase uma micro-floresta. Meu vizinho dos fundos, não sei se por convicção ou se para competir comigo, deixa também seu quintal florescer. Na minha ingenuidade de cidadão preso aos direitos e deveres, perco o sono só de pensar que um enxame de abelhas “sem floresta” invada e tome posse de meu quintal. Se isso acontecer, será que a justiça vai me conceder reintegração de posse?


Mas a constatação de que ao ler o jornal muita coisa passa despercebida também me deixou intrigado: com tanta informação diária, não tem como filtrar e guardar tudo. Só que essa notícia (ínfima) sobre a realidade das abelhas e sua importância para o futuro da humanidade é de tirar o sono. Por outro lado, não posso transformar o santuário que é o banheiro em mais um lugar de estresse. Nele, fomos educados para evacuar, de maneira prazerosa se possível, tudo que recolhemos no percurso do dia, mas que não nos serve mais.


Só que a notícia sobre as abelhas veio mostrar que muitas notícias de jornal não são descartáveis só porque amanhã virá outra edição mais atualizada no seu lugar.


É por isso que me dá arrepios só de pensar que, mesmo dispondo de toda a parafernália atual de informática, nem por isso terei garantida a inspiração e criatividade suficientes para escrever algo significativo. Aliás, é a velha angústia de ter que enfrentar uma folha em branco, impassível e indiferente.


Enquanto centenas de folhas impressas de jornal diariamente vêm chamar minha atenção, não há nenhum rastro de abelhas por aqui (graças a Deus!). Mas isso poderá significar o meu/nosso fim e de todo o planeta.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...