quarta-feira, 5 de maio de 2010

AS CONVERSAS DE MANÉ BOCÓ

Mané Bocó era o rapaz mais acanhado deste mundo.

Sua mãe fazia muito gosto que ele se casasse com sua prima, moça rica e bonita, no que estavam de acordo os pais dela.

Trataram de aproximar os jovens, e para isto os pais da moça deram um baile.

A mãe de Mané Bocó, ao sair de casa com o filho, disse-lhe:

- Você, rapaz, precisa perder esse acanhamento, e conversar com a sua noiva. Mas não diga tolices. Pense bem no que terá que dizer.

Mané Bocó, em chegando, e apresentado à noiva, sentou-se ao pé dela, sem dizer uma palavra, mas a pensar no que havia de dizer.

A moça encarava-o, sorrindo. E, vai então, apontando os dedos para os olhos dela, exclamou, envergonhado:

- Eu te furo os olhos!...

A moça levantou-se e foi contar à futura sogra o que se havia passado.

A velha chamou o filho de lado e o repreendeu, aconselhando:

- Não é assim, Mané, você precisa dizer para ela palavras delicadas, coisas doces...

Então o rapaz aproximou-se de novo da namorada e, depois de muito pensar, suspirou:

- Açúcar, melado, rapadura...

A moça começou a rir e foi contar à velha o que havia acontecido.

A mãe de Mané Bocó chamou-o outra vez, de lado:

- Você nunca vai deixar de ser tolo! O que você disse à sua noiva são coisas que se dizem?!

- Pois a senhora não mandou que eu falasse em coisas doces!?... Ué!

- Nada. Vá procurá-la de novo e converse com ela em coisas do céu... em estrelas, luar, por exemplo.

Mané Bocó foi ter com a moça e, depois de muito pensar, disse-lhe:

- Raio, corisco, trovão, tempestade!!...

Tinha-lhe dito coisas do céu, pensava ele, conforme sua mãe lhe havia recomendado, estava muito contente. Mas a moça soltou uma gargalhada... E ficou desfeito o projeto de casamento.

Por isso não fui à festa do casório e assim não pude trazer para vocês um isto de doces. E acabou-se a história.

Do livro Contos populares brasileiros, de Lindolfo Gomes.

sábado, 1 de maio de 2010

ENCONTROS


As unhas do vento na janela
são carruagens que trazem
lembranças do amor.


Ecos distantes
ensaiam encontros
com tardes gloriosas.


Acreditei nas palavras da cartomante.
Nos bilhetes escritos
em guardanapos
da mesa do bar.


Os deuses esqueceram
de incendiar nossa alma
e desejar nossos desejos...


Os deuses nos abandonaram
quando viemos ao mundo.

terça-feira, 27 de abril de 2010

O REFORMADOR DO MUNDO - Monteiro Lobato




Américo Pisca-pisca tinha o hábito de por defeito em todas as coisas.

O mundo para ele estava errado e a natureza só fazia asneiras.

- Asneiras, Américo?

- Pois então?!... Aqui mesmo, neste pomar, você tem a prova disso. Ali está uma jabuticabeira enorme sustentando frutas pequeninas, e lá adiante vejo uma colossal abóbora presa ao caule duma planta rasteira. Não era lógico que fosse justamente o contrário? Se as coisas tivessem de ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas, passando as jabuticabas para a aboboreira e as abóboras para a jabuticabeira. Não tenho razão?

Assim discorrendo, Américo provou que tudo estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.

- Mas o melhor - concluiu - é não pensar nisto e tirar uma soneca à sombra destas árvores, não acha? E Pisca-pisca, pisca-piscando que não acabava mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.

Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com o mundo novo, reformado inteirinho pelas suas mãos. Uma beleza!

De repente, no melhor da festa, plaf! uma jabuticaba cai do galho e lhe acerta em cheio no nariz.

Américo desperta de um pulo; pisca, pisca; medita sobre o caso e reconhece, afinal, que o mundo não era tão mal feito assim.

E segue para casa refletindo:

- Que espiga!... Pois não é que se o mundo fosse arrumado por mim a primeira vítima teria sido eu? Eu, Américo Pisca-pisca, morto pela abóbora por mim posta no lugar da jabuticaba? Hum! Deixemo-nos de reformas. Fique tudo como está, que está tudo muito bem.

E Pisca-pisca continuou a piscar pela vida em fora, mas já sem a cisma de corrigir a natureza. 

sexta-feira, 23 de abril de 2010

AULA DE LITERATURA - Charles Kiefer

- O romance epistolar de Goethe, Os sofrimentos do jovem Werther, criou, na Europa, uma impressionante onda de suicídios: centenas de rapazes, depois de sua leitura, seguiram os passos do herói romântico - explicou o professor de literatura, que ilustrava as suas aulas com exemplos semelhantes, para que se tornassem menos enfadonhas.
- O livro era tão ruim assim? - perguntou a aluna.

do livro de crônicas O guardião da floresta.

terça-feira, 20 de abril de 2010

COPA DO MUNDO



Está chegando a Copa do Mundo e não resisto aos convites do meu vício. Adquiro o álbum da Copa para me acompanhar por onde eu for. São figuras repetidas e trocadas com meus amigos, e me envolvo de tal forma no negócio que até pareço “figura”.

Mas não deixei de notar o ridículo dos jogadores quando pousam pra foto. Os franceses, ah os franceses, parecem os mais exibidos. Basta observar como ajeitaram o que lhes serve de pano de fundo do cenário.

Como aeroporto interditado, a Copa retém a minha vida, não importa se a TV mostra os jogos às três da madrugada.

Montei meu altar na sala pra saudar cada Nação que entrar em campo.

Meu coração vai sobrevoar o mapa-múndi, e vai demarcar Capital por Capital com pontos coloridos. Meus sentidos vão tocar cada invenção de meus irmãos que dividem comigo este mundo.

Para não perder a hora terei à mão despertadores e celulares.

Vai ser uma força-tarefa como os trabalhos voluntários em períodos de tragédia.

A memória vai estar afiada para que os craques e heróis jamais sejam esquecidos. Vou lembrar tintim por tintim no bar e corrigir o primeiro mentiroso, não importa se for meu amigo.

Vai começar o jogo, quero todo mundo por perto. Vou ser igual a Jesus, vou dividir e brindar emoções como na Santa Ceia.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...