domingo, 18 de abril de 2010

desamparados do mundo, uni-vos - Abrão Slavutzky

Alguns artigos que, repentinamente, se oferecem ao nosso olhar e coração, nos depertam de um "sono dogmático" que pode durar dias, meses ou até anos. Foi o que aconteceu comigo ao ler o texto que segue. Por isso, me faço valer do "copiar" + "colar" para reproduzi-lo neste espaço.


Se tivesse que definir os tempos atuais, diria que são tempos de desamparo. Tempos em que crescem a solidão, o vazio, a depressão e diminuem os ideais sociais. É verdade que o desamparo do Homo sapiens, gerado diante das forças de natureza e de enigmas como a morte, foi o motor da construção da civilização. No indivíduo, os desamparos constituem a realidade psíquica, e cada um aprende a enfrentá-los, pois só assim se transforma. Entretanto, tudo indica que nesta modernidade líquida atual, o desamparo cresceu. Diminuiu a solidez das instituições e aumentou a desconfiança e a insegurança. E, ainda, não se pode esquecer do desamparo assustador vivido pela população que está abaixo da linha de pobreza.

O desamparo gera angústia que pode ser traumática. Estar desamparado é se sentir assustado, perdido, é perder o norte. Várias são as situações que geram desamparo: a morte, a separação amorosa, o sentimento de fracasso, a doença, a velhice, a violência. O desamparado, quando não sabe o que fazer de sua vida, pode desenvolver a síndrome do pânico; ou seguir o caminho das drogas, dos vícios em geral, que surgem como salvação ao desamparo. Há também os que buscam a segurança nos diferentes fanatismos, bem como os sofredores crônicos, que suportam a dependência, para não enfrentar o desamparo da liberdade. Os sintomas psíquicos seriam, portanto, uma reação e uma proteção ao desamparo.

Mas o que fazer para aliviar o desamparo? Desconfie das respostas fáceis, mas primeiro é preciso buscar algum tipo de ajuda, de apoio, e esta decisão é, com certeza, meio caminho andado. A criança, por exemplo, enfrenta seu desamparo brincando, pois ao brincar ela reproduz suas experiências aflitivas para, então, dominá-las; as crianças passam, portanto, de situações passivas de sofrimento para sentimentos ativos de domínio. Em minha infância, numa fase difícil de desamparo, tive a felicidade de conhecer Charles Chaplin, que vinha todos os domingos ao bairro Bom Fim. Lembro como ficava espantado e feliz ao ver o incrível Vagabundo, pobre e pequeno, vencendo todos os desafios contra os poderosos. Saía do cinema animado e sabia que voltaria a vê-lo. A arte não cura o desamparo, porque nada cura na verdade, mas alivia, e muito. O mesmo ocorre com o bom humor, que, sendo um sorriso entre lágrimas, diminui o drama da existência trágica do ser.
 Quando um castelo de areia desaba, muitos choram, mas outros juntam a areia para construir outro castelo. Fiz parte do sonho de um mundo com igualdade e sem guerras, guiado pelo famoso lema: “Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos”, que desconhecia a face sombria da humanidade, como a crueldade e a vaidade do poder. O castelo do paraíso ruiu, e outros são erguidos, lentamente, das mais variadas formas, na busca de reinventar o cotidiano junto aos demais. A propósito, há um provérbio em zulu: Umuntu ngumuntu ngabantu – Uma pessoa é uma pessoa por meio das outras pessoas.

* Psicanalista (Zero Hora, 17/04/2010)

terça-feira, 13 de abril de 2010

PEQUENA MISS SUNSHINE

Este filme é surpreendente. Se analisarmos cada personagem em separado, vamos perceber a excentricidade de cada um. Os personagens pertencem a uma família que, visto pelo seu conjunto, é comicamente maluca.

O pai, Richard, esforça-se para vender seu programa motivacional (ironia para com o discurso da auto-ajuda?) para atingir o sucesso. Mas ele fracassa.

Sheryl, a mãe, procura "entrosar" a família. Nesse sentido, acolhe seu irmão junto à casa, um gay deprimido.

Olive, com sete anos de idade, deseja ser rainha de um concurso de beleza para crianças.

Dwayne é um adolescente que gosta de ler Nietzsche, e que fez voto de silêncio até atingir 18 anos e conseguir ingressar na aeronáutica, para ser piloto.

Finalmente, temos o avô, outro maluco que foi expulso de um asilo para idosos, que decide, já na velhice, usar drogas.

A ação do filme se desencadeia quando Olive, a menina, é convidada a participar de um concurso de beleza "Litttle Miss Sunshine" na Califórnia, e toda família embarca numa velha kombi para torcer por ela.

No embalo do mote da auto-ajuda: "O verdadeiro fracassado não é alguém que não vence. O verdadeiro fracassado é aquele que tem tanto medo de não vencer que não chega a tentar", o filme não é previsível nem linear. Mostra os limites do discurso que tanto enfeitiça as pessoas: "Você pode, você consegue!".

É que a auto-ajuda não pode esquecer o contexto onde cada um de nós está inserido, sua cultura, hábitos, medos, desejos, etc., etc.

O sucesso não depende só de nós. Talvez o problema maior sejam os outros, que também desejam vencer.

Nesse sentido, a vida, de um modo geral, não passa de um concurso de beleza, ou de uma grande competição. O problema é que cada um tem que se adaptar às regras desse concurso. E nem sempre elas são justas.

Eis um dos problemas que tornam frágeis as relações. Por isso, é necessária a compreensão e cooperação de cada um de nós, para facilitar e possibilitar o "existir" coletivo.

De qualquer maneira o filme, vencedor do Oscar em 2007, é daqueles que faz rir e pensar. Ou melhor: seu riso é filosófico porque é irônico.

domingo, 11 de abril de 2010

REENCONTRO

Seu olhar
foi suficiente
para o pára-quedas
abrir

e abrandar
a queda livre

bastou seu olhar
para que o pouso
- e o reencontro -
fosse perfeito.

terça-feira, 6 de abril de 2010

O suicídio do amor


A cerca limitava-se a tudo



e o sol espreitava


com a cabeça nas nuvens.






Era final de expediente


e o caminho da tarde


embriagou-se


de chuva.






Apressado


o amor avançava


a cada dois


lances de escada


mas quando chegava no topo


ruía ao chão






ninguém duvidava:


era o suicídio do amor.

domingo, 4 de abril de 2010

Sala de tortura

vamos ter em casa
coleções de mata-moscas.


Nas lojas de zero vírgula noventa e nove
centenas aguardam trabalho.


Os golpes altos e baixos
nos vão purificar
a cada inseto decepado.


Enfim teremos
uma sala
de tortura
em nosso lar.


Torturaremos ex-maridos, ex-mulheres,
ex-isso e aquilo, vizinhas fofoqueiras,
cães, gatos e os funcionários
da prefeitura.


Bateremos sem pudor
tristeza
alegria
ou vergonha


e ficaremos horas a fio
de tocaia em tocaia
atrás dos cantos escuros.


No verão a cidade
vai abrir suas comportas
a procissões de baratas


e ninguém vai querer perder
a novíssima
literatura.


Os Insetos
serão maestros
de todas nossas nóias.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...