terça-feira, 23 de março de 2010

MUNDO REAL



Uma neblina
escondeu
o mundo real.

Mulher submete o corpo
a um bombardeio diário
de seis mil e quinhentas calorias
para engordar e engordar
até quebrar recordes.

Quer agarrar a história
ao ser conhecida
como a mulher
mais gorda do mundo.

Seu corpo
é um titanic
que vai naufragar.

O livro do Guiness
vai perpetuar ela no tempo
e lembrar o quanto um ser humano
pode apropriar-se do espaço.

Onde foi parar
a vergonha na cara
do mundo real?

domingo, 21 de março de 2010

O CRUCIFIXO - poema de Manuel Bandeira



É um crucifixo de marfim
ligeiramente amarelado,
pátina do tempo escoado.
Sempre o vi patinado assim.

Mãe, irmã, pais meus estreitando
tiveram-no ao chegar ao fim.
Hoje, em meu quarto colocado,
ei-lo velando sobre mim.

E quando se cumprir aquele
instante, que tardando vai,
de eu deixar esta vida, quero
morrer agarrado com ele.
Talvez me salve. Como - espero -
minha mãe, minha irmã, meu pai.


do livro Estrela da tarde. (1967)

quarta-feira, 17 de março de 2010

Notícias automobilísticas - Giovanni Pasquali Piovesan



Coração vai bombeando
vai bombeando óleo
pra todo lado.

Bebemos a gasolina
e ficamos calados.

Trocamos nossos pneus,
e nos enchemos de esperança.


Para ganhar a corrida
aquela que se chama vida...

 
Precisamos apenas sonhar!





domingo, 14 de março de 2010

A morte do Glauco



Conhecemos, ou dedicamos maior atenção, às pessoas interessantes - neste caso, pela sua contribuição à cultura e ao conhecimento - depois que elas se tornaram notícia, devido a um fato chocante ou inusitado.

Foi o que aconteceu dessa vez, com o assassinato do cartunista Glauco e seu filho.

Quase sempre o cotidiano nos enreda/empareda, absorve nosso tempo e, por isso, muita coisa interessante passa batida.

É muito chocante a perda precoce de alguém, e mais ainda se tem prestado valiosos serviços à cultura.

Todos os dias perdemos (também ganhamos?) algo. Mas algumas perdas são insignificantes, se comparadas a outras.

Mais chocante ainda é quando a morte se manifesta de maneira brutal, "desnecessária", se assim podemos falar.

Se, a toda hora, a consciência de nossa morte nos angustia, diante desses atos brutais a sua presença nos apavora.

O seguinte aforismo de Nietzsche: "O homem é uma corda esticada entre o animal e o super-homem, uma corda sobre o abismo", vai, quem sabe na multiplicidade de interpretações que suscita, servir de pano de fundo para uma reflexão a respeito de nossa condição humana, demasiado humana.

Mas não tem como fugir: toda uma "potência", um para-além-do-homem, no sentido da criação, da luta em busca do novo, se esvai, devido à ação de sujeitos desajustados. Lembro, agora, do assassino do John Lennon. Acreditava ter super-poderes. Pensava que era um Deus, ou Jesus. Coincidência ou não, o assassino de Glauco e seu filho também acreditava nisso.

O que está em jogo é saber onde está a fronteira entre a lucidez e a loucura. Também, poder identificar quem é, de fato, louco, e como vai agir no convivio social.

Nietzsche, na sua genialidade, antevia o que vivenciamos hoje. Ele sabia de fronteiras e abismos.

Tomemos cuidado. Procuremos identificar quais são os loucos bons, e quais são os loucos maus. E não vamos esquecer que os loucos maus se consideram acima do bem e do mal.

sábado, 13 de março de 2010

Nicholas se comunica

Nicholas
se comunica
com sons roucos
alongados
ele fala
da cabeça
ao rabo.

Mas não sei
se é inteligente
ou abobado
nem se prefere
sushi
frito
ou ensopado.

Como um fantasma
aparece do nada
assustado
se enroscando
em sofás
cadeiras
e a pia,
seu alvo.

O rouco miado
não disfarça:
Nicholas
se comunica
e não se trumbica
das orelhas
ao rabo!

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...