domingo, 15 de novembro de 2009

OUTROS LADOS



Na cachoeira dos teus olhos

havia dois lados.


Num deles um raio de sol

no outro um arco-íris molhado.


Conheci você de verdade

quando percorri os teus outros lados.


Dormiam lagos de lágrimas serenas

que não suportavam ser acordados.


Na cabeceira dos teus olhos fiz meu ninho.

Mas ninguém te avisou que por lá

alguém havia repousado.


sábado, 14 de novembro de 2009

PAUSA

O nome estava sobre a mesa, junto a livros, recortes de jornais e anotações que faziam o papel de agendas.

Era vendedora de loja de artigos esportivos. Se comprasse o tênis, ela ganharia comissão.

Não sou de retornar a um compromisso, rabo entre as pernas, cumprir uma promessa qualquer. Vencem os apelos de tantos novos acontecimentos.

Não joguei nome e cartão no lixo porque o prazo de validade não estava vencido. Ou foi uma distração, como juntar à velha agenda mais um novo endereço.

- Quem sabe um dia não vá precisar?

- Quem sabe...

Mas o tempo é cruel e nos faz esquecer, ou embaralhar as peças, fazendo a tranqüilidade de nossa engrenagem emperrar.

Aprendi a usar o controle remoto. Conheço a função da tecla “pause”.

A memória, seu nome, os compromissos, todos, todos estão salvos.

Salvo, eu quero dar muitos abraços, os sentidos a cento e vinte por hora.

Sem raiva, rancor e obsessão pelo progresso.

Quero assoprar as brasas das experiências. Não deixar as cinzas tomarem conta de tudo.

A pausa é o intervalo que aguarda o “play”.

Entre pauses e plays, quero manter o controle (remoto) de mim mesmo.


quarta-feira, 11 de novembro de 2009

MAQUETE DOS SONHOS



Carrego comigo

a maquete dos sonhos.


Tem praças, prédios e avenidas

calçadões e clarões

que se abrem entre os edifícios

para conversar com as estrelas.


Minha cidade maquete

é o abraço de mãos,

pensamentos e coração.


E nela cabe

jardins e canções

donzelas nas janelas

bancos espalhados entre as sombras

para os velhinhos conversarem.


Cabe mais uma rua

casa

escola

morro

placa

praça

bosque

riacho

o sino da capela

a tocar


cabe tudo quanto

você poça imaginar!


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Estatutos de um Novo Mundo para as Crianças - Miguel Sanches Neto



Artigo 1 - Fica criada a semana de três dias – sexta, sábado e domingo. Sexta será para a escola, no sábado e no domingo a gente folga.

Artigo 2 - Decreta-se o fim das fábricas de armas, tanques e outras porcarias de guerra.
Estas indústrias produzirão brinquedos e jogos em que a luta seja disputa amistosa.

Artigo 6 - Fica proibida a circulação de dinheiro, as coisas valerão o que elas são, e uma será trocada pela outra na grande praça a ser criada no centro e em cada bairro da cidade.

Artigo 7 - Fica decretado o fim das cercas, muros, portões, estacionamentos e edifícios comerciais.
Parágrafo único: No lugar de prédios imprestáveis serão plantados parques.

Artigo 8 - Toda cidade fica obrigada a ter pomares públicos, para que se possa subir em árvores e colher frutas.

Artigo 9 - Proíbe-se a entrada de carros nas cidades, eles permanecerão do lado de fora, como cavalos mansos, esperando a hora das viagens.

Parágrafo 1: Nas ruas só será permitido andar a pé ou de bicicleta, skate, pônei e patins.

Parágrafo 2: Todas as avenidas deverão ter canteiros com árvores, bancos, pássaros e, se possível, pingüins.

Artigo 10 - Fica permitido que qualquer criança dê sua opinião e que ela tenha tanto valor quanto a de um ancião.

Artigo 11 - Ficam esquecidas, a partir de hoje, as formas chatas de escrita (decretos, redação escolar, discursos); todo texto terá que ser música.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

SIMULTANEIDADE - Mário Quintana



- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!

- Você é louco?

- Não, sou poeta.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...