domingo, 21 de junho de 2009

OS SONHOS DE DICÃO



Se um homem atravessasse o paraíso em um sonho e lhe dessem uma flor como prova de que havia estado ali, e se ao despertar encontrasse essa flor em sua mão... então o quê? (S. T. Coleridge.
IN: Jorge Luis Borges. Livro dos sonhos).

Todo homem acordado habita um mundo comum; porém cada um pensa que habita seu próprio mundo quando dorme (sonha); acordado, conversa com o mundo da natureza; dormindo, com seu mundo particular... (Joseph Addison. Op. Cit. P. 60).

Há poetas que disseram que a vida dos homens é a sombra de um sonho e há filósofos que sugeriram que a realidade é uma alucinação. (Giovanni Papini. Op. Cit. P. 64).

Os sonhos desejam coisas estranhas! E eles são nossos sonhos! Então, se desejam coisas estranhas, nós também desejamos coisas estranhas... Todos ouvimos a sua voz. O problema é que os sonhos nos visitam quando menos esperamos! E estamos sozinhos na hora de escutar o que eles querem nos dizer!... Apesar de muitos afirmarem que sabem com certeza o que eles nos vem dizer. Os sonhos, ah!... Os sonhos... vai chegar o dia em que desvendaremos cada um de seus segredos!...

Dicão sonha muito. É que nos sonhos sua Voz Interior vem-lhe falar. Desde os tempos antigos até hoje, muitos adultos dizem que sabem o que é a voz interior...Mas uns não concordam com os outros... Alguns acham que a voz interior é Deus falando com a gente. Outros dizem que são energias, forças, que sempre existiram no universo... Outros dizem que é a nossa própria voz, que fica nos pregando peças e não nos deixa saber quem é... Pode ser nossa própria memória, aquele baú onde guardamos as lembranças do que vivemos no passado e que foi tão bom que não queremos nunca mais esquecer, e que foi ensinado pelos mais velhos, como nossos pais, avós e bisavós...


Também dizem que os sonhos revelam o que aconteceu em distantes lugares do mundo. Ou são previsões do que ainda vai acontecer.


Já que dizem tanta coisa, o melhor é não esquentar a cabeça...


O que importa é que, por ser um grande dorminhoco, Dicão recebe com freqüência a visita de sua voz interior... E é por isso que ele dorme tanto!... Dizem seus amigos que ele dorme demais!... Alguns acham que ele toma umas porcarias para dormir e sonhar!...

Uma vez Dicão reclamou com seus amigos de que as histórias são sempre contadas quando as pessoas estão acordadas. Por que não escutar as histórias das pessoas quando dormem? Foi aí que ele lembrou a todos que, quando dormimos, sonhamos. E os sonhos contam histórias muito importantes. Foi assim que Dicão narrou seus sonhos, e as mensagens que ele achou que transmitiam. Ele disse que não precisou da ajuda da cartomante para decifra-los!...
Um dia sonhou que caminhava pelas ruas. Era uma manhã movimentada de sábado, e ele vestia roupas brancas. Procurava as pessoas honestas. Encontrou sua Voz Interior, que lhe disse que as pessoas honestas vestiam roupas brancas.


Pelas ruas da cidade muitas pessoas vestiam roupas pretas. Essas pessoas fugiam dele, porque achavam que ele era um fantasma...


Dicão carregava uma pá, para desenterrar a honestidade, que se escondeu nas profundezas da terra. Com a pá, jogava terra nas pessoas que ele dizia serem desonestas. Quanto mais terra jogava, mais brancas as pessoas ficavam, até se purificarem, como ele...
Quando acordou, tremia de frio. As cobertas haviam caído no chão do quarto, e ele estava com muita sede.


No dia seguinte, aquele sonho martelava na sua cabeça. O que poderia significar? Pensou, pensou, e achou que a Voz Interior mandava a seguinte mensagem: tinha a missão de sair por aí para mostrar às pessoas que é legal elas serem boas com os outros e consigo próprias. E que a cor branca significa honestidade, que é o que as pessoas esperam umas das outras, pois vivem juntas, no mesmo planeta.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

EROS




Ao acordar
pela manhã
me perguntei
a quem me atreveria
amar.

Sem demora
a memória
apontou-me
quatro elementos:


terra
água
fogo


e ar.

Em seguida
a lua levada

lavou meus olhos,
enfeitou-se
de nova
cheia
crescente
e minguante.

Foi o bastante
para que as correntes
de sol e chuva
me levassem
a planetas
galáxias e
continentes.

E um eclipse, como uma garrafa
a vagar por anos e anos nos oceanos,
trouxe a mensagem do grande deus:
“És parte
migalha
milagre
de um todo
que sempre foi
e sempre será:
EROS”!

segunda-feira, 15 de junho de 2009

QUAL A PALAVRA? Roseana Murray



Nas estradas mais antigas,

trilhas, atalhos,

nas montanhas altas, escarpadas,

nas vilas, nas cidades,

nos oceanos, cachoeiras,

em todos os rios

e fios de água,

em todas as ruas

e becos,

nos recantos escuros

e claros,

em cada pedaço

de mundo

grande ou pequeno,

uma palavra estandarte

costura a Terra no céu,

costura os homens na Terra,

inventa a vida.


Nos gestos de todo dia,

na mesa posta, no olhar,

no sorriso, na carícia,

uma palavra vem antes de todas,

é a chave da lua e do sol.


Lua perdida

nos quatro cantos

do mundo,

assombrando os sonhos.


Às vezes adormecida

no rastro vermelho

do sol.


Uma palavra é argila,

trigo e floresta.

É água macia

de lavar as mãos

e os corações.

Fio primeiro de todos os panos,

nessa palavra as palavras se banham.


Essa palavra tão pequena

e grande,

pássaro palpitante,

palavra viva em carne viva.


Palavra de mudar o mundo,

de fazer pão e telhado,

de abrir os cadeados,

as porteiras trancadas

do universo,

as águas azuis

que dormem no fundo

de cada homem.


Palavra escrita na palma

da mão de cada gente,

junto com as misteriosas

linhas da vida.

Junto com a trama

secreta

do destino.


É preciso soletrar

suas letras,

soprar bem alto

seu nome sonoro,

como poeira mágica,

como pólen, seiva

ou luz.


Nas chamas do dia,

nos ventos da noite,

pelos mares, oceanos,

desdobrar sua magia,

como se desdobram

as velas guardadas

de um barco.


Por todos os vales,

riachos, montanhas,

acordar seu nome,

soar seus sinos,

espalhar seu brilho.


Acordar seu nome

como o sol

acorda seus pássaros

e a noite os seus mistérios.


Para que os homens

de todas as terras,

de todas as línguas,

de todas as cores,

de todos os povos,

para que todos os homens

dancem junto com a terra

a dança silenciosa dos astros.


A dança secreta

dos astros,

desde sempre dançada,

infinitamente.


E para que a terra possa

continuar viva para sempre,

sempre viva rodando para sempre,

rodando para sempre,

rodando para sempre.



sexta-feira, 12 de junho de 2009

O AMOR - em tempos de encontros e desencontros dos namorados





Meio que por acaso, tenho em mãos o poema de Carlos Drummond de Andrade, Poema dos olhos da amada. Tudo bem, não é por acaso, já que estamos vivendo o “dia dos namorados”. Diz o poeta, na primeira estrofe do poema:



Eu te amo porque te amo,
não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.



A relação amorosa leva-nos a um conhecimento sobre nós mesmos. A pessoa, a quem amamos, coloca nossa identidade em risco porque, ao nos aventurarmos como amantes, nos deparamos com o incerto. O que ganhamos nessa aventura, onde o outro nem sempre corresponde a nossos anseios? Percebemos que existimos. O filósofo Kierkegaard foi quem primeiro relacionou os conceitos de amor e de vida ao conhecimento de quem somos - no sentido socrático do “conhece-te a ti mesmo”.


Ao pensarmos em amor para além das relações mundanas (provisórias, mutáveis), nos deparamos com a tradição dos gregos (e de Santo Agostinho), que pensam o amor pra além do efêmero, cotidiano e visível. Diz Sócrates, no Banquete: “Quem ama e deseja é porque não tem”. A questão que fica, é: o que amamos e desejamos, que tanto nos faz falta? Na visão socrática, amamos algo desconhecido, invisível, mas que não é efêmero nem passageiro. Amamos a sabedoria, que é universal e eterna. A dificuldade está em admitir essa visão filosófica e cristã sobre o amor. Temos dificuldade de considerá-la porque estamos presos à linguagem permeada de lugares-comuns de nosso cotidiano. Daí também a dificuldade em compreender o poema de Drummond:



Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.



Se o amante busca se assemelhar à sua amada, isto pode ser uma forma de conhecimento de si. O que ele encontra de semelhante é o amor. Diz Agostinho que “encontramos fora de nós o amor que sempre esteve em nós”. “Trata-se de amar os homens humanamente, ou seja, de confiar que em sua essência, e em nenhuma outra coisa no mundo, existe uma infinita capacidade de amar, o que se conhece e o que não se conhece. Pode-se pensar o amor como esse infinito que está sempre a faltar entre duas pessoas. Quando elas se encontram, o amor ganha corpo e o infinito se esvai, até que elas voltem a sentir sua falta”. (Paulo Henrique Fernandes Silveira. Amor sem fim. In: Revista Ciência&vida, ano III, n. 35).


Nessas horas de comemorações, muitas vezes turbinadas pelo “apelo comercial”, fica complicado convidar o leitor a desenvolver idéias requintadas, “pensamentos complexos”, sobre o amor. Discussões mais demoradas e profundas, sobre temas como o amor, não são de nosso hábito. Estamos habituados ao conforto, não ao confronto de idéias. Dia após dia a televisão fornece modelos de amor para que sirvam de nossos guias. Enquanto isso, o conhecimento que recebemos de nossa tradição cultural fica escondido nas estantes das bibliotecas. Mas perder o trem da história e da tradição é uma forma de acomodação, o que é péssimo para nosso intelecto.


Uma questão: se ao amarmos alcançamos um maior conhecimento de nós mesmos, isso pode servir de estímulo para mudar/melhorar nossa visão de mundo? Ficaremos mais autônomos e com maior capacidade na solução de problemas individuais e sociais, inclusive com relação ao amor? Alguns, ao “descobrirem” o amor, afirmam que a vida ficou mais colorida, viver ficou “mais leve”... Seguindo a concepção do filósofo Sócrates, de que o amor “verdadeiro” é o amor ao conhecimento, ao bom e ao belo universais, nos momentos de descoberta e vivência do amor em nosso cotidiano estaremos exercitando nossa inteligência no sentido de ampliar nossa sensibilidade (não no sentido egocêntrico, mais no sentido social/democrático)?



Tendo que parar em algum momento esta reflexão sobre o amor, reconhecemos que, sobre esse tema, é necessário, nalgum momento, recomeçar tudo de novo. A propósito, e para curtir o dia dos namorados com algumas dúvidas na cabeça, que amor é esse que o poeta Drummond evoca no final do poema?



Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem
(e matam)
a cada instante o amor.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O QUE EU QUERIA DIZER



O que eu queria dizer

ficou rabiscado a lápis

numa folha

dentro da gaveta

do escritório.


Lembro que falava

de abraço e de calor

pra aquecer o coração.


Já não lembro

de outras coisas mais.


Quem sabe

terei mudado

até o próximo feriado

e vou guardar num diário

sujo e rabiscado

as façanhas que virão.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...