segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

POR QUE FUJO






Não me pergunte por que fujo. Não suplique respostas. Faço-o, simplesmente. Tornou-se acontecimento oficial, que resguardo de qualquer autocrítica.

Afastar-se dos laços costumeiros e inquestionáveis, como tomar banhos frios por alguns dias. Fugir para dizer que não quero depender de amarras e de currais.

Não me pergunte Desde quando você age assim?

Só sei que sofro e me sinto bem. Nem adianta você dizer Você é doido, sabia?

Fugir é um estilo de vida. rejuvenesce alegria e tristeza.

Estou viciado em fugir. Vício que se apossou de mim. Tem seus ápices, delírios, e depois a melancolia baixa e cobre tudo.

Como passou a fazer parte de minha vida, não sei.

Devo estar exausto de tua voz. Das curvas de teu corpo. Perderam-se os labirintos, foi-se o mistério. Restou Deve-me obrigação e respeito!

Entendo as convenções sociais, mas fugir dá um prazer bucólico, que não quero compartilhar. É meu segredo. Minha caixa preta.Tua simplicidade cotidiana não preenche as lacunas da solidão.

Aí você diz Eu me esforço, sabia? Entendo, embora seja um engodo perseguir a paixão, deixada por teu vácuo, nas noites acesas de encontros embriagados, lá onde teu lamento estonteou-se na contramão.

Investiga-se a caixa preta e descobre-se que não me vês da maneira como te vejo.

Traduzo-te numa linguagem sensual. A língua e a cama, com símbolos infinitos, numa linha pontilhada de sinais extraviados pela asneira do dia-a-dia. Frases decoradas, gramática inútil, no fundo de tua boca.

Você me vê O homem da minha vida, O único que amei... Mas essas etiquetas usuais não me convencem. Não são alavancas suficientes para me fazer rastejar montanha acima.

Sabes que não te vejo assim. E é por que te vejo diferente que necessito fugir. Sei entortar as grades, pular o muro. Sou expert nos detalhes, que planejo no horário de visita, quando a truculenta insônia vem dar Oi.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

VARIAÇÕES DA Odisséia, DE HOMERO ( II )




CAPITU

Seu olhar
de gata lambida
apontou-me a trilha
mas perdeu a escuridão
da noite e não trouxe
a lanterna e as pilhas.

- Tudo você pode,
basta me seguir.
Você é atroz,
eu sou atriz!


Olhei-a no fundo dos olhos
Como quem espreme uma laranja
aí, seu olho azul me piscou...
“Sua doce gata de franja!”,
foi o que pensei...

- Você é o Super-homem,
e eu sou Capitu
- Ela disse.

Algo confuso ela disse,
que às vezes mais parece
um cão extraviado
em quermesse...

- Seja você mesmo - Ela disse.
- Não imite os moleques
samocos de cabeça
de minhoca
que mais
parece
um côco!


Olhou-me,
havia remela
no nariz...

- Tudo você pode,
basta me seguir...
Você é atroz,
eu sou atriz!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

VARIAÇÕES DA Odisséia, DE HOMERO ( I )

PENÉLOPE

Olhos ressacados
apontaram-me o caminho.
O mar estava agitado
e eu zarpava sozinho.

- Tudo você pode
é preciso navegar.
Você é Ulisses e eu
Penélope a esperar.


Olhei-a no fundo dos olhos
como quem espreme uma espinha
o olho dissimulado piscou...
Pensei: “Minha grande rainha!”

- Você é Ulisses
e eu aguardo feliz
nessa espera sem fim...


Algo maluco ela quis
que até faz lembrar
aventuras em alto mar...
São histórias que aprendi
de sereias, guerreiros e monstros...

- Seja meu herói -
ela disse.
- Não se inspire
nos pretendentes
samocos
em que o cérebro
é doce de leite
no meio do sonho!


Olhar
olhar
olhar...
estava
oblíquo
seu olhar!

- Tudo você pode
é preciso navegar.
você é Ulisses
e me deixa feliz
nessa espera...
sem fim!

domingo, 8 de fevereiro de 2009

MORBIDEZ




Dizem os especialistas
que sua obesidade é mórbida
e que não há outra saída
senão intervenção cirúrgica.

É um fenômeno social
que ainda vai render
intensos debates
em simpósios internacionais.

Sem dar por isso ele goza
de uma sesta angelical
depois do almoço
na sombra da varanda.

É que ele sonha
com feijoada e picanha
sonha com ninfetas
em torno da cama
e sonha outras coisas
no seu palácio
de cento e vinte janelas.

E, logo ali, mais abaixo,
um grande pátio
com jardins, árvores
e muita grama
são a ante-sala do riacho
onde, de vez em quando,
vai com seu filho pescar...

E quando retorna
e prepara os peixes
o rádio pendurado na varanda
toca velhas melodias
que até o fazem chorar

de alegria!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

BETONEIRA




Betoneira
que não cansa
e não fala
e não coça
pulga atrás
da orelha.

Não lamenta
a vida.

Betoneira
insaciável
e faminta.

Engole pedra
bebe água
massa faz.

O servente
se esfacela
e oferta
músculos
à rotina.

A construção
na avenida
faz gracejos
atrevidos
aos que passam.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...