terça-feira, 13 de janeiro de 2009

DÚVIDA




Não sei se foi a Lara
ou se foi a Laura
que saçaricou os lábios
pertinho do banco
da praça...

Tento me lembrar
e minha testa
transpira
só de pensar
que ela passou
e eu fiquei a ver
pombos,
bandos
de pombos
grisalhos
zeladores
da praça...


Sol de quarenta graus
gritaria e adrenalina
fiquei com alergia
dos pombos
e do jacarandá
em flor...

Perdi a bússola
sai da rota
na areia
no escorregador!

Agora estou em casa
e a testa transpira
e não fico quieto
deito e levanto no sofá
tento porque tento
me lembrar
se ela se chama Lara
ou Laura
que me deu um Oi
derretido
pertinho
do banco
da praça!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

PAULO HENRIQUES BRITTO - Macau




Carioca, é professor e tradutor, e ganhou com o livro MACAU, em 2004, o prêmio Portugal Telecom de Literatura. “Ancorado no cais raso da subjetividade, o poeta procura reter a fragilidade do mundo com a ponta dos dedos”.

Diz a CONTRACAPA DO LIVRO:
A subjetividade é um porto de onde não é fácil se desprender, mesmo para aqueles que se lançam à descoberta de novas paragens – tais como Macau, lugar ao mesmo tempo estrangeiro e familiar. O trabalho poético de Paulo Henriques Brito, indissociável do ritmo diário, obedece menos à inspiração, mais à oficina e ao suor. Essa necessidade orgânica do ato criativo denota um impulso de, por meio da subjetividade, arranhar a opacidade das coisas, atendendo ao incômodo – mas inescapável – impulso de endereçar ao mundo uma carta íntima.

TRÊS EPIFANIAS TRIVIAIS (II)

As coisas que te cercam, até onde
alcança a tua vista, tão passivas
em sua opacidade, que te impedem
de enxergar o (inexistente) horizonte,
que justamente por não serem vivas
se prestam para tudo, e nunca pedem

nem mesmo uma migalha de atenção,
essas coisas que você usa e esquece
assim que larga na primeira mesa –
pois bem: elas vão ficar. Você, não.
Tudo que pensa passa. Permanece
a alvenaria do mundo, o que pesa.

O mais é enchimento, e se consome.
As tais Formas eternas, Idéias,
e a mente que as inventa, acabam em pó,
e delas ficam, quando muito, os nomes.
Muita louça ainda resta de Pompéia,
mas lábios que as tocaram, nem um só.

As testemunhas cegas da existência,
sempre a te olhar sem que você se importe,
vão assistir sem compaixão nem ânsia,
com a mais absoluta indiferença,
quando chegar a hora, a tua morte.
(Não que isso tenha a mínima importância.)

domingo, 11 de janeiro de 2009

ELA (III)





Cabelos negros e lisos e boca carnuda. O guarda-pó não me distrai de sua beleza. Meus sapatos, instintivamente, ficam apertados.

Pés crescem livres pelo campo. No dia da Primeira Comunhão, era doloroso calçar os sapatos. A missa, até a altura do sermão, era a experiência da eternidade sem prazer. Dedão latejando, unha encravada, bolhas nos pés.

Páscoa. Ressurreição. Vendaval de lembranças no caminho da infância e adolescência. Boca carnuda e cabelos negros e lisos. Seios despontando como rosas vermelhas em meio às pedras do quintal.

Distraio-me olhando para o teto da Igreja. Vivo todos os passos do calvário de Jesus. A traição do Judas, a companhia consoladora de Nossa Senhora e Maria Madalena.

Ela tem cabelos negros e lisos e boca carnuda. Nas laterais da Igreja, vitrais fitam-me e despejam personagens bíblicos pra dentro de minha alma. Sussurram bom comportamento. Serei indigno se não suportar a fila do confessionário. Padre, me apaixonei. Fiz coisas feias. Briguei com meus irmãos e colegas de aula. Desobedeci meus pais... Reze dez ave-marias e cinco Pai nossos. Vá em paz e que Deus te acompanhe.

Anestesiado, diante do altar, não sinto meus sapatos apertados. O dedão parou de latejar. Minhas orações tentam abafar cabelos negros e lisos e boca carnuda. Segredos que não confessei minutos antes. Eis o meu tormento.

De tanto repetir as mesmas preces, ajoelhar e entoar os velhos cânticos, fechei as comportas para transbordar o lago da resignação. A paixão enredou-se no hábito, ainda não fez a curva do caminho.

Finalmente, ela libera seu olhar. Os pés latejam. Cabelos negros e lisos e boca carnuda são bolhas nos pés. Cão a morder o próprio rabo. A paixão, que se perdeu por aí, prisioneira do hábito, se digladia.

Não há teto e vitrais. O calvário de Jesus se esqueceu nas curvas do passado. No mercadinho, minha paixão quer me salvar. Mas os pés latejam. Preciso encontrar o paraíso. Superar a primeira confissão.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

ELA (II)


Arte - Romero Britto


Dessa vez vou jogar no ataque. Vou aprender sobre o amor do mesmo jeito que os técnicos de futebol aprimoram suas táticas.

Não posso me aproximar do mercadinho sem antes me aprofundar nos mistérios e segredos da conquista amorosa.

Como o “professor” que orienta seus jogadores, na área técnica diante da casamata, darei as coordenadas que farão meu amor galgar ao paraíso. Defensores, meias, atacantes, todos vão ser soldados a serviço de minha jornada.

Meus atacantes flutuarão atrás da zaga. Os alas serão de passagem, e os meias vão atuar por dentro e, se necessário for, farei duas linhas de quatro. Ou cinco linhas de dois.

O sucesso vai depender de planejamento minucioso. Início, meio e fim. Passo a passo. Na dúvida, o corpo vai falar pela boca. Como o “professor”, ao instruir os meias e atacantes, afastarei o indicador e o dedo médio em vê para eles e, em volta desses dedos, traçarei círculos com a mão direita.

Antes de me atracar no campo de batalha, faltam os detalhes do visual. Ligo para uma Ex., hoje grande amiga. Vai ser meu auxiliar técnico. Ela diz: primeiro, você precisa disfarçar tuas olheiras! Use um creme sombreador. Você tem, sim. Um dia emprestei pra você, que não me devolveu. Você tinha um hematoma enorme no lábio inferior. Não querias ir para o trabalho com aquele chupão! Você deve ter guardado na gaveta do armário do banheiro...

As olheiras me expiam e fazem caretas de minha cara. Não seja por isso. Suo, sombreio embaixo dos olhos do jeito que posso. Vou à luta.

Sorvete de chocolate. Pra ganhar tempo, procuro nas gôndolas itens que esqueci de anotar no bilhetinho. Minhas anotações são, agora, intenções. Entrar pela porta da frente, marcar presença através de passos enérgicos.

Expressar o meu amor pelo movimento dos olhos. Porém, antes de avançar, fixo o olhar nos jornais. Capa, contracapa, manchetes. Me assusto com a notícia: o grande consumo de sorvete pode acarretar sua falta nos estabelecimentos da cidade.

Já estou pronto pra colocar meus planos em ação. Ergo os olhos, observo todos os ângulos e... Opa! Cadê minha musa?? Adoeceu?? Perdeu o emprego??

No mercadinho falta quase tudo. Sorvete de chocolate, não.

Vou aproveitar o abandono e treinar um pouco mais. Aprimorarei as táticas de futebol, com meu filho, no ply station.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

ELA



Arte - Pablo Picasso


Não retornava ao mercadinho, perto de casa, fazia dias. Nem sei por quais motivos. Corro em busca de sorvete para amenizar os excessos da noite passada.

Ela ajeita os iogurtes, pano embebido no álcool. Avental branco, busca entrosamento no novo lar. Sua beleza discreta me desperta, e quase desmaio de susto.

A tarde promete chuva. Agora, armou-se temporal. Vou demorar um pouco mais, até abaixar a adrenalina. Prefiro chegar em casa encharcado.

Um cliente da casa, com seu visual esforçado, fala animadamente com o gerente. Diz da última de seu tio, de Uruguaiana. Fazia sua caminhada matinal, no calçadão da cidade e, vupt, caiu de borco no chão. Enfartou. Sessenta anos. Só bebia uma cerveja de vez em quando.

Estou na fila do caixa e, querendo chamar a atenção, entro na conversa. “O negócio é beber cerveja todos os dias, que aí se vive mais!”.

O tiro saiu pela culatra. Fiel à seriedade do posto, ela nem levanta os olhos para mim.

Mas isso não derruba minha esperança.
Voltarei amanhã.
Hoje foi sorvete de morango.
Vou fazer revezamento.
Amanhã vai ser sabor chocolate.

Desisti de ir à lotérica jogar na Mega-sena. Minha loteria é no mercadinho. Vou ser fiel às minhas loucuras. Vou mudar o itinerário.
Minhas férias estão de bom tamanho, perto de casa.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...