quinta-feira, 9 de outubro de 2008

SÁBADO NO SUPERMERCADO


É sábado de tarde, entramos no supermercado, assumo a direção do carrinho, e meu pai tira do bolso uma lista quilométrica de compras. Isso mesmo. Ele anota tudo o que precisa, antes de sair de casa. Mas quase sempre esquece o mais importante – iogurte e a revista “Recreio” pra mim.


Passa por todos os corredores e gôndolas, observa atentamente a composição dos produtos - validade, quantidade de gordura, se são orgânicos, etc. etc.. Pra isso, ele procura os óculos de uns quatro graus, no estojo guardado no bolso. Mira, vira, desvira, olha contra a luz, a tarde passa voando, e eu ainda nem joguei bola!


Começam os acidentes e o congestionamento nos corredores... Monstrinhos de quatro, cinco anos, pilotando o carrinho de compras de seus pais, passam a toda velocidade, tiram de fininho, derrubam os pacotes das prateleiras!


Aí surgem os funcionários. Hoje em dia não tem mais aqueles que usam maquininha para remarcar os preços. Meu pai sempre fala que AN-TI-GA-MEN-TE havia o monstro da inflação, e todo dia os funcionários empunham suas maquininhas e tac, tac, tac... Em compensação, hoje tem que cuidar a qualidade dos produtos... Os funcionários estão aí para colocar ordem na bagunça, e aumenta o congestionamento, como se fosse hora do rush, na grande São Paulo.


Senhoras vagarosas, de calculadora mão, fazem das compras no supermercado o passeio de sua vida! A calculadora é a arma que usam para espantar o monstro da inflação!!


Legal são as promotoras de vendas. Desde erva-mate até chazinho pra bebê. Meu pai não fica provando tudo, só porque é de graça. Mas meu tio, Carola, sim. Prova fermentado de uva, suco de goiaba, queijo, salame... Depois, ele fica apertado e vai voando pro banheiro do supermercado!


Se eu me perco do meu tio, é só ir direto pra sessão de vinhos, que lá está ele. Parece um especialista... Pesquisa os rótulos, o ano da safra, se é cabernet ou merlot... No final, ele compra um “sangue de boi”, um daqueles vinhos baratos que nossas mães usam para fazer sagu!


Na hora de passar no caixa, sou eu quem escolhe qual a moça que vai nos atender. Tenho umas três preferidas. Primeiro, olho a cor dos seus olhos, como enfeita os cabelos, descubro o seu nome olhando o crachá, presto atenção nos seus dentinhos, no desenho dos lábios...


Como sou poeta sonhador, observo todos os detalhes do rostinho de minhas caixas preferidas. Acho que o meu pai nem desconfia. Está estressado com o monstro da inflação, que anda louco pra abocanhar o seu sagrado salário – é o que o meu pai diz!




TRAQUINAGEM

(Para Rosemeri)
Obrigado pelas flores
as cores de tua pele
o sorriso.

De nada importam
teus amores indecisos.
De teu cheiro preciso
passear contigo
andar, voar
da traquinagem preciso.

Vamos fugir de tudo?
Ir pra algum lugar
sem ter que se levantar
nem assinar o ponto
pra passar do ponto
em qualquer canto...

Vamos beber no primeiro bar
tirar as asas da sarjeta
e não fazer a barba
uma dança num bordel
inventar perfumes de flores
numa tarde qualquer.

Já temos tudo
que nos dê prazer.
a lua
o horizonte
cada manhã pra viver.

Acorde-me
quando o velho dia amanhecer.
Aprendi a fazer a barba
a mil sonhos desfazer
e à liberdade sufocar.

Traze flores se quiseres
O que quiseres serei
Escravo, lírio trêmulo,
menino ingênuo outra vez!



terça-feira, 7 de outubro de 2008

CADÊ A CHAVE?


Você tem medo do escuro?
Você tem velas e lanterna guardadas em casa?
Se de noite faltar luz, você demora para lembrar onde guardou?
Seus pais esquecem onde deixam os objetos?


Dia desses, no campeonato de pais do colégio, meu pai perdeu a chave da moto. Ele costuma guardá-la no bolso da calça. Diz que é mais seguro, que assim não vai perdê-la, e blábláblá...
Fardou-se no vestiário, carregou a mochila e as roupas até o banco de reservas e foi fazer seu aquecimento. Perdeu o jogo por 6X2, saiu mancando por causa de uma pancada na canela, tomou meia garrafa de água, gargarejou e cuspiu, juntou a mochila e suas roupas, passou pela torcida na arquibancada, levou vaia e foi, cabisbaixo, se vestir no vestiário.

Pôs a mão no bolso e... Nada! “- Tenho certeza de que guardei no bolso! Sempre foi mais seguro!” Revira a mochila, de seis compartimentos, tira pra fora as coisas todas que ele carrega - caneta, clips, trident, lenço pro nariz, aspirina, band-aid, três celulares, sendo dois pifados que eu uso para jogar, cartões de amigos, bilhetes com recados, óculos para o sol, protetor solar, etc., etc., etc. – e nadica da chave!
Refaz, então, o percurso para ver se não está caída no chão, fala com o guarda, chama a atenção de meio mundo... Aí, antes que eu fique vermelho de vergonha, resolvo ajudá-lo...
No cantinho mais escuro do vestiário está a chave, sossegadinha no chão. Meu sexto sentido farejou a maldita!!
Depois de rir meio amarelo e dizer que esquecimento é coisa da idade, papai me chamou de “meu herói” e me deu um beijo na testa!
Ufa! Ainda bem que não foi na arquibancada, na frente de todo mundo... Foi na penumbra do vestiário, e só o guarda viu a cena! Ele fez uma cara de feliz. Coisas de pai!

domingo, 5 de outubro de 2008

Adoro as pizzas e os salgados da padaria do meu bairro. Mas desconfio que o meu pai goste bem mais! Quando vai até lá, ele sempre visita o freezer, onde são guardadas as pizzas, e o balcão dos salgadinhos.

Pizza tem que ser de frango. Acho que comecei a gostar com ele. A primeira coisa que ele faz é olhar a data de fabricação. Quanto aos pastéis, risolis, cochinhas, pão de queijo e croquetes, ele pergunta se foram feitos naquele dia. A moça que atende faz uma careta e responde sempre que sim.

Acho que meu pai tem medo de comer coisas estragadas. Ah, tem a ver com os recortes de jornais que ele guarda falando dos alimentos saudáveis e dos vilões – para o coração, rins,
pulmões, baço, fígado... E aí, ele não faz economia nos conselhos que me dá para me alimentar bem.

A quantidade de chás que ele compra é de fazer inveja a qualquer curandeiro. Parece que faz coleção. De tantos tipos que ele tem, a maioria perde o prazo de validade, sem ele ter usado.
Mas a sua maior paixão é o alho. Ele descobriu que o alho é ótimo pra saúde. Não é que ele mastiga o dente de alho a qualquer hora do dia? Precisa ver a cara que ele faz! Ele prende a respiração, dá umas quinze ou vinte mastigadas bem rápidas e vai correndo tomar um copo d’água.

Acho que os vampiros querem distância de meu pai... Ele deve fazer parte da lista de pessoas que não são bem-vindas na sociedade vampiresca .




Meu pai deve ter mascado muito chicle quando era criança. Hoje ele quer me assustar, dizendo que o chicle foi feito com as patas do cavalo.


Porém, quanto ao sorvete, nem preciso pedir para irmos à sorveteria. É ele quem convida a gente. Claro, ele leu numa tal de “Vida e saúde” os benefícios do sorvete para o organismo, além da alegria e das lembranças (meio poéticas?) que tomar sorvete traz. Nessas horas ele sempre fala das coisas de antigamente. Não sei por que mas, para meu pai, antigamente tuuuuudo era melhor!

Ele gosta de falar dos cheiros das coisas, no tempo de criança. Do pão feito no forno de tijolos e barro, cheiro de puxa-puxa e de açúcar no tacho, cheiro da uva madura depois de uma chuva de verão... Ah, e o cheiro da óstia de toda missa de domingo. Se ele não ía pra missa, estava proibido de jogar futebol!


Quando não estou jogando futebol, vou à padaria com meu pai. É que ele me deixa gastar, com o que eu quiser (desde que não seja chicle), 0,99 de cada vez. E, é claro, adoro ver ele perguntar pra moça se os salgados “foram feitos hoje?”, e ver a carranca que ela faz quando responde que sim.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

VIRA-LATA

Sou vira-lata
acuado no canil
que cansou
de farejar
e latir...

Horas e horas espero
pela gatinha caridosa
que passa e não me dá bola
rente ao meu quintal...

Ela se exibe, rebola,
e um perfume de love
agita uns quantos buldogues...
Meu vira-latas desespera
murcha as orelhas e espera...

Quando ela vem
e fica pertinho
faz um cafuné
no meu focinho
eu abano o rabo...
Faceiro, lato
pro que vejo
ou não vejo...
Até mesmo...
Até mesmo pro diabo!

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...