sábado, 12 de outubro de 2019

Não fala difícil, seu dependente


- Oi! Tu tá limpo?
- Sim. Tomei banho ontem...
- Eu quis dizer... espiritualmente.
- Hum... Um pouco de céu, um pouco de inferno. Me conheço tão pouco... Acho que cada vez mais me desconheço.
- Que viagem, Cabezón, que viagem...
- Bah, tu nem imagina. To lendo menos o kardec e mais a putaria do Henry Miller... Aquele cara que o Bukowski tanto gosta.
- Puta que pariu! Sai fora. Pra mim deu. Já li putaria e já fui num centro espírita. Tu é uma praga muito estranha. Gosta tanto desses caras que acho que até sabe o horário das punhetas deles.
- Bem que eu podia ter reencarnado esses caras hehehe. Bah, já pensou eu vivendo as histórias que Eles escreveram? Bah, já pensou eu ter sido um personagem Deles?
- Caralho! não delira... Que tal tu ser tu mesmo?
- Tu não gostaria de ser tanta coisa na vida?
- Hoje eu só queria ser uma cama.
- Hum...
- Tu não pensa em nada quando falo em cama?
- Trepar... roncar... Ter pesadelos...
- Meu Deus! Falo em amar, sonhar.
- Sabe, esses dias eu sonhei com você. Espíritos, creio que maus, invadiram meu sonho e te raptaram. Acordei muito estressado, e fiquei horas tentando decifrar essa mensagem. Claro que isso é fruto de meu sentimento de culpa, por não ter te escutado. Viajar menos nessas leituras e manter os pés no chão.

O imbecil só falava nas putarias que leu do tal do Henry Miller, mas na hora de praticar o sexo (ou fazer amor, como queiram) sua cabeça fazia o guindaste despencar. Foi essa broxisse que desencadeou a breve separação de sua namo.
Laha estava acostumada com um sexo inesquecível, orgasmos divinos, que Ela só alcançava com o Cabeça. Não sei descrever em detalhes a posição, só sei que Ela escalava seu namo, apoiava as mãos nas cochas dele e encaixava... Ele ficava imóvel, pensamento na ereção, segurando os peitos dela, deliciando-se com seus gemidos cada vez mais loucos. Ela aumentava a velocidade da cavalgada e tremia e tremia, como se tivesse mergulhado num ritual.
Laha não estava preparada para as oscilações do Cabeça. Aos poucos o maluco passou a sintonizar outra vibe, mais alma e menos materia, até porque as coisas materiais impediam seu aperfeiçoamento - dizia.
Um giro de 180 graus. Mentalizava e pedia aos guias espirituais uma vida simples, de sóbrios desejos materiais e, consequentemente, muita vadiagem e pouco estresse. Ansiava por correntes marítimas de energia vital criativa.
Quando tinha certeza de que havia transcendido essas necessidades mundanas, um acontecimento qualquer fazia tudo despencar. A coisa desandou depois que a namo se mudou pro apartamento de uma amiga. Com a separação, Cabezón emigrou diariamente pra botecos e puteiros. Dava livros de poesia pras garotas. Mas era fiel ao bar do Maneta.
No bar do Maneta, sugando pau a pau com Ele alguns litrões de cerveja, olhava com o trinco do olho aquelas motos poderosas, estacionadas a poucos metros das mesas de sinuca, e sentia-se reduzido a uma cloaca.
Então engatinhava umas conversas que faziam o Maneta devorar um cigarro atrás do outro.
- Meu, qual a diferença entre a velocidade da luz e a velocidade do pensamento?
Deitava conhecimento pra cima do amigo.
- Tu sabe, Maneta, que pra física do Einstein nada pode ir mais rápido que a velocidade da luz? Já pro kardec, um espírito desloca-se de um planeta pro outro na velocidade do pensamento... Uau! Tu percebeu como isso é massa, meu amigo?
Nessas horas o Maneta aumentava a velocidade do levantamento de copo de cerveja, tragava o cigarro e resmungava:
- Para de falar difícil, seu dependente!

Nos lugares mais silenciosos e sutis de sua mente, muitas vezes, de uma hora pra outra tramavam-se planos de como convencer Deus para que mostrasse num sonho os números do próximo sorteio da Megassena. Nesses recônditos mais arraigados da consciência do Cabezón habita um prisioneiro dos impulsos para consumir o luxo, aderir à avareza e também se exibir nuns carrões e roupas de grife, pra despertar a inveja e o ciúme nessa gentalha.
- Tenho que preparar minha consciência, longos dias concentrado, meditativo, conectado com a luz. A abstinência valerá a pena, a espera será recompensada no final.

Meus camaradinhas, quando Laha disse que "queria ser uma cama", claro que Ela não pensava APENAS em sexo, Ela se liga nas coisas, mantendo os pés no chão, na realidade com sua simplicidade e magia.
Ah, tá. Vocês querem saber detalhes de como os dois se viraram nesse período de separação... Teu cu que os dois passaram chorando e lambendo as feridas abertas por suas culpas. Ah, tá, seus ingênuos, achando que somos inocentes e que nos preservamos enquanto esperamos aquele grande amor...
Laha impôs algumas condições pra aceitar de volta o seu Cabeça. Uma delas era a de arranjar um emprego. Ela sabia que um serzinho no ócio é um perigo pra manutenção da ordem social. Por isso estamos de volta ao diálogo do início desta história e à pergunta inevitável que a namo fez:
- Como foi a entrevista de emprego, naquela cafeteria?
- Não rolou. Sugeriram que eu tosasse meu rabo de cavalo.

- Meu Deus do céu! "Eita primavera inesquecível, igualzinha aos meus orgasmos com você". Pensou dizer-lhe isso... Mas o orgulho não deixou.

(B. B. Palermo)

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