- Oi! Tu tá limpo?
- Sim. Tomei banho
ontem...
- Eu quis dizer...
espiritualmente.
- Hum... Um pouco de
céu, um pouco de inferno. Me conheço tão pouco... Acho que cada vez mais me
desconheço.
- Que viagem, Cabezón,
que viagem...
- Bah, tu nem imagina.
To lendo menos o kardec e mais a putaria do Henry Miller... Aquele cara que o
Bukowski tanto gosta.
- Puta que pariu! Sai
fora. Pra mim deu. Já li putaria e já fui num centro espírita. Tu é uma praga
muito estranha. Gosta tanto desses caras que acho que até sabe o horário das
punhetas deles.
- Bem que eu podia ter
reencarnado esses caras hehehe. Bah, já pensou eu vivendo as histórias que Eles
escreveram? Bah, já pensou eu ter sido um personagem Deles?
- Caralho! não
delira... Que tal tu ser tu mesmo?
- Tu não gostaria de
ser tanta coisa na vida?
- Hoje eu só queria ser
uma cama.
- Hum...
- Tu não pensa em nada
quando falo em cama?
- Trepar... roncar...
Ter pesadelos...
- Meu Deus! Falo em
amar, sonhar.
- Sabe, esses dias eu
sonhei com você. Espíritos, creio que maus, invadiram meu sonho e te raptaram.
Acordei muito estressado, e fiquei horas tentando decifrar essa mensagem. Claro
que isso é fruto de meu sentimento de culpa, por não ter te escutado. Viajar
menos nessas leituras e manter os pés no chão.
O imbecil só falava nas
putarias que leu do tal do Henry Miller, mas na hora de praticar o sexo (ou
fazer amor, como queiram) sua cabeça fazia o guindaste despencar. Foi essa broxisse
que desencadeou a breve separação de sua namo.
Laha estava acostumada
com um sexo inesquecível, orgasmos divinos, que Ela só alcançava com o Cabeça.
Não sei descrever em detalhes a posição, só sei que Ela escalava seu namo,
apoiava as mãos nas cochas dele e encaixava... Ele ficava imóvel, pensamento na
ereção, segurando os peitos dela, deliciando-se com seus gemidos cada vez mais
loucos. Ela aumentava a velocidade da cavalgada e tremia e tremia, como se
tivesse mergulhado num ritual.
Laha não estava
preparada para as oscilações do Cabeça. Aos poucos o maluco passou a sintonizar
outra vibe, mais alma e menos materia, até porque as coisas materiais impediam
seu aperfeiçoamento - dizia.
Um giro de 180 graus. Mentalizava
e pedia aos guias espirituais uma vida simples, de sóbrios desejos materiais e,
consequentemente, muita vadiagem e pouco estresse. Ansiava por correntes
marítimas de energia vital criativa.
Quando tinha certeza de
que havia transcendido essas necessidades mundanas, um acontecimento qualquer
fazia tudo despencar. A coisa desandou depois que a namo se mudou pro
apartamento de uma amiga. Com a separação, Cabezón emigrou diariamente pra
botecos e puteiros. Dava livros de poesia pras garotas. Mas era fiel ao bar do
Maneta.
No bar do Maneta,
sugando pau a pau com Ele alguns litrões de cerveja, olhava com o trinco do olho
aquelas motos poderosas, estacionadas a poucos metros das mesas de sinuca, e sentia-se
reduzido a uma cloaca.
Então engatinhava umas
conversas que faziam o Maneta devorar um cigarro atrás do outro.
- Meu, qual a diferença
entre a velocidade da luz e a velocidade do pensamento?
Deitava conhecimento
pra cima do amigo.
- Tu sabe, Maneta, que
pra física do Einstein nada pode ir mais rápido que a velocidade da luz? Já pro
kardec, um espírito desloca-se de um planeta pro outro na velocidade do
pensamento... Uau! Tu percebeu como isso é massa, meu amigo?
Nessas horas o Maneta
aumentava a velocidade do levantamento de copo de cerveja, tragava o cigarro e
resmungava:
- Para de falar
difícil, seu dependente!
Nos lugares mais
silenciosos e sutis de sua mente, muitas vezes, de uma hora pra outra
tramavam-se planos de como convencer Deus para que mostrasse num sonho os
números do próximo sorteio da Megassena. Nesses recônditos mais arraigados da
consciência do Cabezón habita um prisioneiro dos impulsos para consumir o luxo,
aderir à avareza e também se exibir nuns carrões e roupas de grife, pra
despertar a inveja e o ciúme nessa gentalha.
- Tenho que preparar
minha consciência, longos dias concentrado, meditativo, conectado com a luz. A
abstinência valerá a pena, a espera será recompensada no final.
Meus camaradinhas,
quando Laha disse que "queria ser uma cama", claro que Ela não
pensava APENAS em sexo, Ela se liga nas coisas, mantendo os pés no chão, na
realidade com sua simplicidade e magia.
Ah, tá. Vocês querem
saber detalhes de como os dois se viraram nesse período de separação... Teu cu
que os dois passaram chorando e lambendo as feridas abertas por suas culpas. Ah,
tá, seus ingênuos, achando que somos inocentes e que nos preservamos enquanto
esperamos aquele grande amor...
Laha impôs algumas
condições pra aceitar de volta o seu Cabeça. Uma delas era a de arranjar um
emprego. Ela sabia que um serzinho no ócio é um perigo pra manutenção da ordem
social. Por isso estamos de volta ao diálogo do início desta história e à
pergunta inevitável que a namo fez:
- Como foi a entrevista
de emprego, naquela cafeteria?
- Não rolou. Sugeriram
que eu tosasse meu rabo de cavalo.
- Meu Deus do céu!
"Eita primavera inesquecível, igualzinha aos meus orgasmos com você".
Pensou dizer-lhe isso... Mas o orgulho não deixou.
(B. B. Palermo)
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