quarta-feira, 24 de abril de 2013

A paixão de Lúcia Helena - Raul Drewnick



A moça fala, fala não para de falar. A mãe que prepara o almoço mais sorri do que responde. Não precisa ficar atenta para saber o que aconteceu. Os adjetivos, os verbos e os advérbios que a filha usa dizem muito. Mas o seu jeito de suspirar fundo diz muito mais. Ela esta de novo apaixonada. E, como em todas as outras vezes, pré-di-da-mente. É o  que ela diz, enquanto a mãe, sempre sorrindo, fiscaliza o arroz, vira os bifes na frigideira, começa a lavar a alface.
- Mãe, a senhora precisava ver como ele é lindo. Só de olhar para a carinha dele dá vontade de ...hum...abraçar aquela belezura e ficar beijando, beijando. Ah...
A mãe tira a panela de arroz de fogo, dá mais uma virada nos bifes. E a filha ali, falando, falando.
E os olhos dele mãe! Os olhos! Ah... Nem sei como não desmaio quando ele olha pra mim. E como ele olha pra mim! Todo dia, é só eu pôr o pé fora do colégio e chegar à esquina, quem esta sempre lá no ponto de ônibus, me esperando, com aqueles olhos?
A mãe já pôs o arroz e um bife no prato da filha e, e enquanto acaba de temperar a salada, continua sorrindo e ouvindo o que ela diz.
- lembra do Tino, mãe? Claro que você lembra. Aquele. Agente ainda morava lá na outra casa. Então. Este é ainda mais lindo que o Tino. Só que é tímido. Quando eu saio da aula, ele pensa que eu não reparo mas ele vai cortando caminho pelo jardim do colégio e, na hora em que eu chego ao ponto de ônibus lá está ele, o bandido, encostado no muro, me olhando com aqueles olhos. Mas hoje, mãe, se ele não tomar a iniciativa, eu tomo. Juro que tomo. Ou não me chamo mais Lúcia Helena.
A mãe pergunta se a filha não quer salada e ela, finalmente mudando de assunto, diz que não, porque esta a-tra-as-dis-si-ma. Precisa escovar os dentes e ir embora, senão perde a primeira aula.
Quando Lúcia Helena sai, a mãe balança a cabeça. Será que tudo vai começara de novo? E lembra-se das paixões da filha: o Tino, o Thomas, o Tim, o Turquinho. Para quem não chegou ainda aos 16 anos, é uma coleção! Enquanto lava a louça, fica assim, pensando em como se apaixona fácil a sua menina. Depois se condiciona a esquecer tudo aquilo. Lava o chão da cozinha, limpa o fogão, passa o aspirador na sala espana os móveis e quando olha para o relógio, leva um susto. São 6 horas e Lucia Helena, que sempre esta de volta às 5, ainda não chegou. A pobre mãe passa rapidamente de inquieta  a preocupada, de preocupada a aflita e já esta quase desesperada quando afinal ouve a porta se abrir:
-Menina você quer me deixar louca? Isso é hora de chegar? O que aconteceu? Você esqueceu de levar o passe do ônibus?
Lucia Helena entrando na sala responde:
- e a senhora acha que iam me deixar viajar no ônibus com essa fofura ? olha, mãe ele não e mesmo lindo? Agora precisamos tomar cuidado para ele não fugir, como o Tino e o Thomas, nem se atropelado como o Tim e o Turquinho. Ele vai se chamar Tontinho. É um bom nome. A senhora já viu um gatão mais bobinho do que este?
A mãe se aproxima e vê, logo no primeiro exame, que o gato e lindo, mas não pode chamar Tontinho. Tem de ser Tontinha. Como a filha.

O crepúsculo de Van Gogh

As nuvens eram criaturas selvagens e ‒ ao mesmo tempo ‒ gatos, cães, jacarés e lagartos, perfilados no horizonte próximo. piscaram...